Questão 9b6b1870-dd
Prova:UNIFESP 2017
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

De acordo com a crônica, o filho recebeu o telegrama do pai no dia

Leia a crônica “Premonitório”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987).

      Do fundo de Pernambuco, o pai mandou-lhe um telegrama:

“Não saia casa 3 outubro abraços”.

     O rapaz releu, sob emoção grave. Ainda bem que o velho avisara: em cima da hora, mas avisara. Olhou a data: 28 de setembro. Puxa vida, telegrama com a nota de urgente, levar cinco dias de Garanhuns a Belo Horizonte! Só mesmo com uma revolução esse telégrafo endireita. E passado às sete da manhã, veja só; o pai nem tomara o mingau com broa,precipitara-se na agência para expedir a mensagem.

    Não havia tempo a perder. Marcara encontros para o dia seguinte, e precisava cancelar tudo, sem alarde, como se deve agir em tais ocasiões. Pegou o telefone, pediu linha,mas a voz de d. Anita não respondeu. Havia tempo que morava naquele hotel e jamais deixara de ouvir o “pois não” melodioso de d. Anita, durante o dia. A voz grossa, que resmungara qualquer coisa, não era de empregado da casa; insistira:“como é?”, e a ligação foi dificultosa, havia besouros na linha.Falou rapidamente a diversas pessoas, aludiu a uma ponte que talvez resistisse ainda uns dias, teve oportunidade de escandir as sílabas de arma virumque cano1, disse que achava pouco cem mil unidades, em tal emergência, e arrematou:“Dia 4 nós conversamos.” Vestiu-se, desceu. Na portaria, um sujeito de panamá bege, chapéu de aba larga e sapato de duas cores levantou-se e seguiu-o. Tomou um carro, o outro fez o mesmo. Desceu na praça da Liberdade e pôs-se a contemplar um ponto qualquer. Tirou do bolso um caderninho e anotou qualquer coisa. Aí, já havia dois sujeitos de panamá, aba larga e sapato bicolor, confabulando a pequena distância.Foi saindo de mansinho, mas os dois lhe seguiram na cola. Estava calmo, com o telegrama do pai dobrado na carteira, placidez satisfeita na alma. O pai avisara a tempo, tudo correria bem. Ia tomar a calçada quando a baioneta em riste advertiu: “Passe de largo”; a Delegacia Fiscal estava cercada de praças, havia armas cruzadas nos antos. Nos Correios, a mesma coisa, também na Telefônica. Bondes passavam escoltados. Caminhões conduziam tropa, jipes chispavam. As manchetes dos jornais eram sombrias; pouca gente na rua. Céu escuro, abafado, chuva próxima.

    Pensando bem, o melhor era recolher-se ao hotel; não havia nada a fazer. Trancou-se no quarto, procurou ler, de vez em quando o telefone chamava: “Desculpe, é engano”,ou ficava mudo, sem desligar. Dizendo-se incomodado, jantou no quarto, e estranhou a camareira, que olhava para os móveis como se fossem bichos. Deliberou deitar-se,embora a noite apenas começasse. Releu o telegrama, apagou a luz.
Acordou assustado, com golpes na porta. Cinco da manhã. Alguém o convidava a ir à Delegacia de Ordem Política e Social. “Deve ser engano.” “Não é não, o chefe está à espera.” “Tão cedinho? Precisa ser hoje mesmo? Amanhã eu vou.” “É hoje e é já.” “Impossível.” Pegaram-lhe dos braços e levaram-no sem polêmica. A cidade era uma praça de guerra, toda a polícia a postos. “O senhor vai dizer a verdade bonitinho e logo” – disse-lhe o chefe. – “Que sabe a respeito do troço?” “Não se faça de bobo, o troço que vai estourar hoje.” “Vai estourar?” “Não sabia? E aquela ponte que o senhor ia dinamitar mas era difícil?” “Doutor, eu falei a meu dentista, é um trabalho de prótese que anda abalado. Quer ver? Eu tiro.” “Não, mas e aquela frase em código muito vagabundo, com palavras que todo mundo manja logo, como arma e cano?” “Sou professor de latim, e corrigi a epígrafe de um trabalho.” “Latim, hem? E a conversa sobre os cem mil homens que davam para vencer?” “São unidades de penicilina que um colega tomou para uma infecção no ouvido.” “E os cálculos que o senhor fazia diante do palácio?” Emudeceu. “Diga, vamos!” “Desculpe, eram uns versinhos, estão aqui no bolso.” “O senhor é esperto, mas saia desta. Vê este telegrama? É cópia do que o senhor recebeu de Pernambuco. Ainda tem coragem de negar que está alheio ao golpe?” “Ah, então é por isso que o telegrama custou tanto a chegar?” “Mais custou ao país, gritou o chefe. Sabe que por causa dele as Forças Armadas ficaram de prontidão, e que isso custa cinco mil contos? Diga depressa.” “Mas, doutor…” Foi levado para outra sala, onde ficou horas. O que aconteceu, Deus sabe. Afinal, exausto, confessou: “O senhor entende conversa de pai pra filho? Papai costuma ter sonhos premonitórios, e toda a família acredita neles. Sonhou que me aconteceria uma coisa no dia 3, se eu saísse de casa, e telegrafou prevenindo. Juro!” 

    Dia 4, sem golpe nenhum, foi mandado em paz. O sonho se confirmara: realmente, não devia ter saído de casa.

(70 historinhas, 2016.)

1 arma virumque cano: “canto as armas e o varão” (palavras iniciais da
epopeia Eneida, do escritor Vergílio, referentes ao herói Eneias).

A
28 de setembro.
B
29 de setembro.
C
2 de outubro.
D
4 de outubro.
E
3 de outubro.

Gabarito comentado

O
Otávio Pereira Monitor do Qconcursos

Tema central: Interpretação de texto – foco na compreensão cronológica dos fatos narrados.

Para questões de interpretação, sobretudo em textos narrativos ou crônicas, é essencial identificar a ordem temporal dos acontecimentos. Muitas vezes, a correta resposta está “escondida” em detalhes de datas, prazos e sequência dos fatos, exigindo atenção minuciosa do candidato – um ponto frequente em concursos e vestibulares.

No texto, o pai envia um telegrama do interior de Pernambuco alertando: “Não saia casa 3 outubro abraços”. O trecho-chave para a resolução é:

“Olhou a data: 28 de setembro. Puxa vida, telegrama com a nota de urgente, levar cinco dias de Garanhuns a Belo Horizonte!”

Aqui, percebe-se que o telegrama foi enviado em 28 de setembro e demorou cinco dias para chegar. Assim, somando-se os cinco dias ao dia 28, o recebimento ocorreu em 2 de outubro. Essa atenção à matemática do tempo é crucial para não se confundir nas alternativas!

Justificativa da alternativa correta:

C) 2 de outubro. Exatamente cinco dias após o envio, conforme o texto. Essa leitura precisa do texto, calculando a data correta, é uma habilidade que precisa ser exercitada: analisar trechos, identificar pistas e realizar pequenas inferências.

Análise das alternativas incorretas:

  • A) 28 de setembro: É a data de envio, não de recepção.
  • B) 29 de setembro: Seria um dia apenas de prazo, incoerente com o texto.
  • D) 4 de outubro, E) 3 de outubro: Datas posteriores ou no limite da recomendação do pai, mas não relacionadas ao momento da chegada do telegrama. O texto é claro: cinco dias!

Estratégia para provas: Destaque datas, palavras de tempo e ações sequenciais. Se necessário, faça uma pequena linha do tempo ao lado da prova para não se confundir!

Referências: Cunha & Lindley Cintra (Gramática), Bechara (Gramática Moderna) e recomendações do Manual de Redação Oficial quanto à clareza e objetividade na interpretação.

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