O trecho abaixo pertence ao conto “Conversa de bois”, do livro Sagarana, de Guimarães Rosa, cujo recurso narrativo é o diálogo entre boisde-carga, que conversam entre si enquanto trabalham:
Todavia, ninguém boi tem culpa de tanta má-sorte, e lá vai ele tirando, afrontado pela soalheira, com o frontispício abaixado, meio guilhotinado pela canga-de-cabeçada, gangorrando no cós da brocha de couro
retorcido, que lhe corta em duas a barbela; pesando de-quina contra as
mossas e os dentes dos canzis hiselados; batendo os vazios; arfando ao
ritmo do costelame, que se abre e fecha como um fole; e com o focinho,
glabro, largo e engraxado, vazando baba e pingando gotas de suor. Rebufa e sopra: — Nós somos bois... Bois-de-carro.. Os outros, que vêm em manadas, para ficarem um tempo-das-águas pastando na invernada, sem
trabalhar, só vivendo e pastando, e vão-se embora para deixar lugar aos
novos que chegam magros, esses todos não são como nós... — Eles não sabem que são bois... — apoia enfim Brabagato, acenando
a Capitão com um esticão da orelha esquerda.
(ROSA, João Guimarães. “Conversa de bois”. Sagarana.
Editora Nova Aguilar, Rio de Janeiro, p. 214.)
No trecho citado, há uma diferenciação entre os “bois-de-carro” e os
“outros, que vêm em manadas”. De acordo com o boi Brabagato, estes
“outros” “não sabem que são bois…”. Brabagato presumiu isso, pois:
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de Texto – compreensão de inferências e sentidos implícitos
A questão explora a habilidade de inferir informações que não estão explícitas no texto, mas podem ser deduzidas pelo leitor atento, especialmente a partir da fala reflexiva dos bois. Trata-se de um excelente exemplo de como o trabalho e a vivência prática levam à consciência de identidade no meio literário.
Justificativa da Alternativa Correta (A):
A alternativa A está correta porque traduz fielmente a ideia sugerida pelo texto, especialmente na fala do boi Brabagato: “Eles não sabem que são bois...”. Pela lógica textual, o trabalho árduo faz com que os bois-de-carro percebam sua condição, diferentemente dos outros, que, vivendo apenas para o prazer e o pasto, não refletem sobre si próprios. Isso é um caso clássico de inferência – como explicam Celso Cunha & Lindley Cintra, é fundamental ir além do óbvio e captar o sentido subentendido pelo autor.
Análise das alternativas incorretas:
B) Incorreta. O “ócio criativo” não é expresso nem sugerido no texto. O enunciado reforça a ausência de reflexão ou consciência nos bois em liberdade.
C) Incorreta. A consciência é produto do trabalho, e não do lazer ou inatividade, como mostra o contraste ressaltado no diálogo.
D) Incorreta. Não há indício de inveja; o texto foca na introspecção e na distinção da condição dos grupos.
E) Incorreta. Não ocorre no trecho iniciativa de consolo ou acolhimento do sofrimento alheio, mas sim análise sobre consciência de identidade.
Estratégias de Interpretação: Atenção a termos expressivos e indicativos de reflexão existencial, como “consciência de si”, “condição” e as estruturas que opõem experiências (trabalho x lazer). Questões do tipo frequentemente pedem que se leia nas entrelinhas.
Segundo Bechara (2009), interpretar exige relacionar personagens, contexto e sentido global da passagem. O núcleo da resposta encontra-se na compreensão de que a “consciência de si” nasce do confronto com o trabalho, elemento ausente nos que apenas vivem em manadas.
Parabéns! Ao praticar esse tipo de análise, você se prepara não apenas para temas literários, mas para qualquer questão de interpretação que envolva leitura atenta, foco nas relações e domínio do texto.
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