Questão 952960aa-e7
Prova:UNB 2012
Disciplina:Filosofia
Assunto:Conceitos Filosóficos

Em análises fenomenológicas, como a de Heidegger, o ato de duvidar tem a mesma proeminência do ato de se angustiar, uma vez que, para esse autor, tanto a dúvida quanto a angústia pressupõem um objeto.

       A dúvida pode significar o fim de uma fé, ou pode significar o começo de outra. Em dose moderada, estimula o pensamento. Em excesso, paralisa-o. A dúvida, como exercício intelectual, proporciona um dos poucos prazeres puros, mas, como experiência moral, ela é uma tortura. Aliada à curiosidade, é o berço da pesquisa e assim de todo conhecimento sistemático. Em estado destilado, mata toda curiosidade e é o fim de todo conhecimento.
       O ponto de partida da dúvida é sempre uma fé, uma certeza.A fé é, pois, o estado primordial do espírito. O espírito “ingênuo” e “inocente” crê. Essa ingenuidade e inocência se dissolvem no ácido corrosivo da dúvida, e o clima de autenticidade se perde irrevogavelmente. As tentativas dos espíritos corroídos pela dúvida de reconquistar a autenticidade, a fé original, não passam de nostalgias frustradas em busca da reconquista do paraíso perdido. As certezas originais postas em dúvida nunca mais serão certezas autênticas. Tal dúvida, metodicamente aplicada, produzirá novas certezas, mais refinadas e sofisticadas, mas essas certezas novas não serão autênticas. Conservarão sempre a marca da dúvida que lhes serviu de parteira.
       A dúvida, portanto, é absurda, pois substitui a certeza autêntica pela certeza inautêntica. Surge, portanto, a pergunta: “por que duvido?” Essa pergunta é mais fundamental do que a outra: “de que duvido?” Trata-se, portanto, do último passo do método cartesiano: duvidar da dúvida — duvidar da autenticidade da dúvida. A pergunta “por que duvido?” engendra outra: “duvido mesmo?”
       Descartes, e com ele todo o pensamento moderno, parece não dar esse último passo. Aceita a dúvida como indubitável
Vilém Flusser. A dúvida. São Paulo: Editora Annablume, 2011, p. 21-2 (com adaptações).

Tendo o texto acima como referência inicial, julgue os itens de 110 a 118, assinale a opção correta no item 119, que é do tipo C, e faça o que se pede no item 120, que é do tipo D.

C
Certo
E
Errado

Gabarito comentado

M
Manuela Cardoso Monitor do Qconcursos

Alternativa correta: E — Errado

Por quê (resumo didático):

Na fenomenologia heideggeriana (principalmente em Sein und Zeit / Ser e Tempo, 1927), a angústia (Angst) e a dúvida não ocupam o mesmo lugar ontológico. A angústia é uma condição existencial primordial — uma mundanidade afetiva (Befindlichkeit) que não se dirige a um objeto particular; ela revela o mundo como um todo e traz à luz a questão do sentido do ser, expondo a finitude e a situação arrojada do Dasein. Em outras palavras, a angústia é sem-objeto (objectless) e desvela a estrutura existencial do ser.

Já a dúvida, tal como entendida na tradição cartesiana e no discurso cognitivo, é uma atitude dirigida a proposições ou objetos de conhecimento — é intencional e pressupõe um conteúdo a ser questionado. Portanto, é incorreto afirmar que, para Heidegger, tanto a dúvida quanto a angústia pressupõem um objeto. A própria problemática heideggeriana destaca a diferença: a angústia não tem um objeto determinado; a dúvida, sim, é dirigida.

Fonte principal para estudo: Martin Heidegger, Being and Time (Sein und Zeit), 1927 — ver especialmente a análise da Befindlichkeit (afeto) e da Angst.

Dica para resolução de questões: ao ver afirmações sobre autores fenomenológicos, busque identificar se o termo usado (ex.: angústia, dúvida, intenções) é tratado como afeto/mudança de disposição ou como intencionalidade dirigida. Essa distinção (afetividade vs. intencionalidade) costuma ser a chave para decidir se a afirmativa está certa ou errada.

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