Questão 8f90bfb4-e7
Prova:UNB 2012
Disciplina:Filosofia
Assunto:

Na Idade Média, a despeito de o ato de duvidar ter sido considerado inapropriado por diversos teólogos, o exercício da dúvida a respeito de questões de filosofia natural resultou no desenvolvimento de importantes conceitos.

       A dúvida pode significar o fim de uma fé, ou pode significar o começo de outra. Em dose moderada, estimula o pensamento. Em excesso, paralisa-o. A dúvida, como exercício intelectual, proporciona um dos poucos prazeres puros, mas, como experiência moral, ela é uma tortura. Aliada à curiosidade, é o berço da pesquisa e assim de todo conhecimento sistemático. Em estado destilado, mata toda curiosidade e é o fim de todo conhecimento.
       O ponto de partida da dúvida é sempre uma fé, uma certeza.A fé é, pois, o estado primordial do espírito. O espírito “ingênuo” e “inocente” crê. Essa ingenuidade e inocência se dissolvem no ácido corrosivo da dúvida, e o clima de autenticidade se perde irrevogavelmente. As tentativas dos espíritos corroídos pela dúvida de reconquistar a autenticidade, a fé original, não passam de nostalgias frustradas em busca da reconquista do paraíso perdido. As certezas originais postas em dúvida nunca mais serão certezas autênticas. Tal dúvida, metodicamente aplicada, produzirá novas certezas, mais refinadas e sofisticadas, mas essas certezas novas não serão autênticas. Conservarão sempre a marca da dúvida que lhes serviu de parteira.
       A dúvida, portanto, é absurda, pois substitui a certeza autêntica pela certeza inautêntica. Surge, portanto, a pergunta: “por que duvido?” Essa pergunta é mais fundamental do que a outra: “de que duvido?” Trata-se, portanto, do último passo do método cartesiano: duvidar da dúvida — duvidar da autenticidade da dúvida. A pergunta “por que duvido?” engendra outra: “duvido mesmo?”
       Descartes, e com ele todo o pensamento moderno, parece não dar esse último passo. Aceita a dúvida como indubitável
Vilém Flusser. A dúvida. São Paulo: Editora Annablume, 2011, p. 21-2 (com adaptações).

Tendo o texto acima como referência inicial, julgue os itens de 110 a 118, assinale a opção correta no item 119, que é do tipo C, e faça o que se pede no item 120, que é do tipo D.

C
Certo
E
Errado

Gabarito comentado

M
Manuela Cardoso Monitor do Qconcursos

Resposta: C — certo

Tema central: a relação entre dúvida (ou reserva crítica) e o desenvolvimento da filosofia natural na Idade Média. A questão pede avaliar se, apesar da crítica teológica à dúvida religiosa, o exame crítico em assuntos naturais favoreceu avanços conceituais — e a resposta é afirmativa.

Resumo teórico e justificativa: Não é verdade que a Idade Média tenha sido um bloqueio absoluto ao pensamento crítico. O contexto universitário e escolástico (séculos XII–XIV) promoveu o debate sistemático: tradução de Aristóteles, método disputativo e ênfase na razão como instrumento para interpretar a natureza. Isso gerou várias contribuições relevantes à filosofia natural e às ciências:

Exemplos práticos — Robert Grosseteste e seus estudos de óptica; Roger Bacon e a defesa de experimentação prática (Opus Majus); Jean Buridan e a formulação da teoria do ímpetus (precursora da inércia); Nicole Oresme e análises matemáticas de movimento e representações gráficas. Esses nomes e trabalhos mostram que questionamentos metódicos sobre a natureza produziram conceitos importantes que depois influenciaram a ciência moderna.

Fontes relevantes: obras primárias (por exemplo, Opus Majus de Roger Bacon; tratados de Grosseteste) e estudos de historiadores da ciência — p.ex., Edward Grant, The Foundations of Modern Science in the Middle Ages — que documentam como o empreendimento intelectual medieval preparou bases metodológicas e conceituais.

Estratégia para interpretar a questão: repare na expressão “a despeito de”: ela sinaliza contraste entre dois aspectos (proibição teológica vs. prática intelectual). Em questões históricas, identifique atores (escolásticos, universidades) e evidências concretas (textos, teorias, instituições) que sustentem a afirmação.

Por que esta alternativa é correta: porque reconhece a complexidade histórica — embora a dúvida sobre a fé pudesse ser condenada, a dúvida metodológica aplicada à filosofia natural favoreceu investigação, debates e formulação de conceitos que alimentaram a tradição científica nascente. Portanto, a afirmação apresentada está em conformidade com as pesquisas históricas sobre o tema.

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