Questão 890a565e-e0
Prova:FAG 2015
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

“...nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim...”, “...e declarou desdenhosamente que aquilo era capim.”; os dois elementos sublinhados indicam, respectivamente:

Texto 2


UM PÉ DE MILHO

Os americanos, através do radar, entraram em contato com a Lua, o que não deixa de ser emocionante. Mas o fato mais importante da semana aconteceu com o meu pé de milho.
Aconteceu que, no meu quintal, em um monte de terra trazida pelo jardineiro, nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim – mas descobri que era um pé de milho. Transplantei-o para o exíguo canteiro da casa. Secaram as pequenas folhas; pensei que fosse morrer. Mas ele reagiu. Quando estava do tamanho de um palmo, veio um amigo e declarou desdenhosamente que aquilo era capim. Quando estava com dois palmos, veio um outro amigo e afirmou que era cana.
Sou um ignorante, um pobre homem da cidade. Mas eu tinha razão. Ele cresceu, está com dois metros, lança suas folhas além do muro e é um esplêndido pé de milho. Já viu o leitor um pé de milho? Eu nunca tinha visto. Tinha visto centenas de milharais – mas é diferente. Um pé de milho sozinho, em um canteiro espremido, junto do portão, numa esquina de rua – não é um número numa lavoura, é um ser vivo e independente. Suas raízes roxas se agarram no chão e suas folhas longas e verdes nunca estão imóveis. Detesto comparações surrealistas – mas na lógica de seu crescimento, tal como vi numa noite de luar, o pé de milho parecia um cavalo empinado, de crinas ao vento e em outra madrugada, parecia um galo cantando.
Anteontem aconteceu o que era inevitável, mas que nos encantou como se fosse inesperado: meu pé de milho pendoou. Há muitas flores lindas no mundo, e a flor de milho não será a mais linda. Mas aquele pendão firme, vertical, beijado pelo vento do mar, veio enriquecer nosso canteirinho vulgar com uma força e uma alegria que me fazem bem. É alguma coisa que se afirma com ímpeto e certeza. Meu pé de milho é um belo gesto da terra. Eu não sou mais um medíocre homem que vive atrás de uma chata máquina de escrever: sou um rico lavrador da rua Júlio de Castilhos.
Rubem Braga

A
desprezo / desconhecimento
B
desconhecimento / desprezo
C
desconhecimento / desconhecimento
D
desprezo / desprezo
E
afetividade / menosprezo

Gabarito comentado

R
Rebeca LealMonitor do Qconcursos

Tema central: Interpretação de texto com foco na análise semântica de pronomes indefinidos e demonstrativos no contexto.

Enfoque: A questão exige identificar o sentido atribuído, pelo autor, às expressões “alguma coisa” e “aquilo” no texto de Rubem Braga, usando o raciocínio interpretativo e conhecimento de gramática normativa.

Justificativa da alternativa correta (B):

1. Desconhecimento: “nasceu alguma coisa que podia ser um pé de capim” — Aqui, o pronome indefinido “alguma coisa” expressa indefinição e desconhecimento sobre a natureza da planta. O autor não sabe o que está surgindo, indicando dúvida. Segundo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), pronomes indefinidos apontam para seres ou coisas de modo vago ou incerto.

2. Desprezo: “declarou desdenhosamente que aquilo era capim” — O pronome demonstrativo “aquilo”, em conjunto com o adjetivo “desdenhosamente”, reforça distanciamento e desprezo. Usar “aquilo” em vez de “isso” ou “este” evidencia frieza, quase repúdio ao objeto observado. Bechara destaca que tal emprego pode indicar afastamento não apenas físico, mas também afetivo ou emocional.

Análise das alternativas incorretas:

A) Indica “desprezo / desconhecimento”: invertido; “alguma coisa” não expressa desprezo, mas dúvida.
C) “desconhecimento / desconhecimento”: parcialmente correta, mas ignora o desprezo explícito em “aquilo”.
D) “desprezo / desprezo”: erra ao classificar “alguma coisa” como desprezo.
E) “afetividade / menosprezo”: não há afetividade em “alguma coisa”; “menosprezo” se aproxima de “desprezo”, mas o primeiro termo está equivocado.

Estratégia para concursos: Leia atentamente o contexto em que pronomes ou expressões aparecem. Palavras aparentemente neutras podem ganhar valor semântico dependendo do tom do texto e de palavras próximas (como “desdenhosamente”). O emprego de pronomes demonstrativos (“isto”, “isso”, “aquilo”) também muda conforme a intenção de distância ou parcialidade, ponto bem explorado por Celso Cunha & Lindley Cintra em sua gramática.

Portanto, a correta interpretação depende tanto do conhecimento gramatical quanto da percepção da intenção discursiva do texto. A alternativa B) desconhecimento / desprezo é a única que se sustenta pelos argumentos acima.

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