Questão 806bb386-b0
Prova:
Disciplina:
Assunto:
O cego Estrelinho era pessoa de nenhuma vez:
sua história poderia ser contada e descontada não fosse
seu guia, Gigito Efraim. A mão de Gigito conduziu o
desvistado por tempos e idades. Aquela mão era
repartidamente comum, extensão de um no outro,
siamensal. E assim era quase de nascença. Memória de
Estrelinho tinha cinco dedos e eram os de Gigito postos,
em aperto, na sua própria mão.
O cego, curioso, queria saber de tudo. Ele não
fazia cerimônia no viver. O sempre lhe era pouco e tudo
insuficiente. Dizia, deste modo: - Tenho que viver já, senão esqueço-me.
Gigitinho, porém, o que descrevia era o que não havia.
O mundo que ele minuciava eram fantasias e
rendilhados. A imaginação do guia era mais profícua que
papaeira. O cego enchia a boca de águas: - Que maravilhação esse mundo. Me conte tudo,
Gigito!
A mão do guia era, afinal, o manuscrito da mentira.
Gigito Efraim estava como nunca esteve S. Tomé: via
para não crer. O condutor falava pela ponta dos dedos.
Desfolhava o universo, aberto em folhas. A ideação dele
era tal que mesmo o cego, por vezes, acreditava ver.
(...)
COUTO, Mia. “O cego Estrelinho”. In: Estórias Abensonhadas.
Portugal; Editotial caminho, 1994, pp.29 -30.
No excerto acima, retirado do conto “O cego
Estrelinho”, é possível afirmar que Mia Couto utiliza de
um procedimento estilístico para a construção narrativa,
o da intertextualidade, que consiste no estabelecimento
de relação com um texto já existente. Assim, Mia Couto
traz um diálogo com um ditado popular “Ver para crer”,
atribuído a São Tomé, um dos discípulos de Jesus Cristo
na tradição cristã, que trazia como prerrogativa acreditar
somente em algo concreto, naquilo que poderia ser visto
ou constatado por ele. No entanto, Mia Couto traz nesse
conto um sentido invertido desse ditado popular, ao
invés da afirmação “Ver para crer”. Após sabermos que
Gigito descrevia um mundo que não existia para o cego
Estrelinho, o narrador afirma que “Gigito Efraim estava
como nunca esteve S. Tomé: via para não crer”.
Diante de tal constatação, considera-se que
O cego Estrelinho era pessoa de nenhuma vez:
sua história poderia ser contada e descontada não fosse
seu guia, Gigito Efraim. A mão de Gigito conduziu o
desvistado por tempos e idades. Aquela mão era
repartidamente comum, extensão de um no outro,
siamensal. E assim era quase de nascença. Memória de
Estrelinho tinha cinco dedos e eram os de Gigito postos,
em aperto, na sua própria mão.
O cego, curioso, queria saber de tudo. Ele não
fazia cerimônia no viver. O sempre lhe era pouco e tudo
insuficiente. Dizia, deste modo:
- Tenho que viver já, senão esqueço-me.
Gigitinho, porém, o que descrevia era o que não havia.
O mundo que ele minuciava eram fantasias e
rendilhados. A imaginação do guia era mais profícua que
papaeira. O cego enchia a boca de águas:
- Que maravilhação esse mundo. Me conte tudo,
Gigito!
A mão do guia era, afinal, o manuscrito da mentira.
Gigito Efraim estava como nunca esteve S. Tomé: via
para não crer. O condutor falava pela ponta dos dedos.
Desfolhava o universo, aberto em folhas. A ideação dele
era tal que mesmo o cego, por vezes, acreditava ver.
(...)
COUTO, Mia. “O cego Estrelinho”. In: Estórias Abensonhadas.
Portugal; Editotial caminho, 1994, pp.29 -30.
No excerto acima, retirado do conto “O cego
Estrelinho”, é possível afirmar que Mia Couto utiliza de
um procedimento estilístico para a construção narrativa,
o da intertextualidade, que consiste no estabelecimento
de relação com um texto já existente. Assim, Mia Couto
traz um diálogo com um ditado popular “Ver para crer”,
atribuído a São Tomé, um dos discípulos de Jesus Cristo
na tradição cristã, que trazia como prerrogativa acreditar
somente em algo concreto, naquilo que poderia ser visto
ou constatado por ele. No entanto, Mia Couto traz nesse
conto um sentido invertido desse ditado popular, ao
invés da afirmação “Ver para crer”. Após sabermos que
Gigito descrevia um mundo que não existia para o cego
Estrelinho, o narrador afirma que “Gigito Efraim estava
como nunca esteve S. Tomé: via para não crer”.
Diante de tal constatação, considera-se que
A
ao inverter o sentido do ditado popular nesse
conto, Mia Couto está radicalmente fazendo uma
ruptura com uma tradição popular que não é de
origem africana e sim cristã.
B
o uso do procedimento da intertextualidade
nessa narrativa vem colocar Mia Couto como um
escritor que radicaliza a forma tradicional da
escrita do gênero conto.
C
é possível vislumbrar nesse conto dois tipos de
visão, uma mais realista e a outra mais inventiva.
A primeira se caracteriza pelo relato de uma
realidade mais crua e dura, tal qual seria a
descrição do mundo em que as personagens
viviam, um mundo de miséria, de guerra e, para
Estrelinho um mundo de escuridão, de cegueira.
A outra visão, responsável pelo mundo inventado
por Gigito, seria caracterizado pela
representação de um mundo ideal, um mundo
que poderia existir se não houvesse guerra.
D
No conto, o significado da inversão de sentido do
ditado popular “Ver para crer” em “via para não
crer” se refere ao ato do personagem Estrelinho
fingir acreditar na descrição do mundo de
fantasias que Gigito lhe contava.
E
Mia Couto traz uma crítica negativa a um mundo
que “foge da realidade”, pois para ele é
necessário viver a vida tal como ela é, viver no mundo como ele está, (mesmo sendo este
mundo cheio de miséria e falta), para que o
homem não se iluda por um mundo de fantasias
que o tiram de sua verdadeira vida.