Questão 79a4f818-07
Prova:SÃO CAMILO 2018
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

O desfecho da crônica pode ser caracterizado como

Leia a crônica “Conto carioca”, de Vinicius de Moraes, para responder à questão.

     O rapaz vinha passando num Cadillac novo pela avenida Atlântica. Vinha despreocupado, assoviando um blue, os olhos esquecidos no asfalto em retração. A noite era longa, alta e esférica, cheia de uma paz talvez macabra, mas o rapaz nada sentia. Ganhara o bastante na roleta para resolver a despesa do cassino, o que lhe dava essa sensação de comando do homem que paga: porque tratava-se de um “duro”, e o automóvel era o carro paterno, obtido depois de uma promessa de fazer força nos estudos. O show estivera agradável e ele flertara com quase todas as mulheres da sua mesa. A lua imobilizava-se no céu, imparticipante, clareando a cabeleira das ondas que rugiam, mas como que em silêncio.
     De súbito, em frente ao Lido, uma mulher sentada num banco. Uma mulher de branco, o rosto envolto num véu branco, e tão elegante e bonita, meu Deus, que parecia também, em sua claridade, um luar dormente. O freio de pé agiu quase automaticamente e a borracha deslizou, levando o carro maneiroso até o meio-fio, onde estacou num rincho ousado. Depois ele deu ré, até junto da dama branca.
      – Sozinha a essas horas?
   Ela não respondeu. Limitou-se a olhar serenamente o rapaz do Cadillac, com seu olhar extraordinariamente fluido, enquanto o vento sul agitava-lhe docemente os cabelos cor de cinza.
     – Sabe que é muito perigoso ficar aqui até estas horas, uma mulher tão bonita?
     A voz veio de longe, uma voz branca, branca como a mulher, e ao mesmo tempo crestada por um ligeiro sotaque nórdico:
      – Perdi a condução... Não sei... é tão difícil arranjar condução...
     O rapaz examinou-a já com olhos de cobiça. Que criatura fascinante! Tão branca... Devia ser uma coisa branca, um mar de leite, um amor pálido. Suas pernas tinham uma alvura de marfim e suas mãos pareciam porcelanas brancas. Veio-lhe uma sensação estranha, um arrepio percorreu-lhe todo o corpo e ele se sentiu entregar a um sono triste, onde a volúpia cantava baixinho. Teve um gesto para ela: 
      – Vem... Eu levo você... 
    Ela foi. Abriu a porta do carro e sentou-se a seu lado. Fosse porque a madrugada avançasse, a noite se fizera mais fria e, ao tê-la aconchegada – talvez emoção –, o rapaz tiritou. Seus braços eram frios como o mármore e sua boca gelada como éter. Vinha dela um suave perfume de flores que o levou para longe. Ela se deixou, passiva, em seus braços, entregue a um mundo de beijos mansos.
      Quando a madrugada rompeu, ele acordou do seu letargo amoroso. A moça branca parecia mais branca ainda, e agora olhava o mar, de onde vinha um vento branco. Ele disse:
        – Amor, vou levar você agora.
       Ela deu-lhe seus olhos quase inexistentes, de tão claros:
       – Em Botafogo, por favor.
     Tocou o carro. A aventura dera-lhe um delírio de velocidade. Entrou pelo túnel como um louco e fez, a pedido dela, a curva de General Polidoro num ângulo quase absurdo. 
      – É aqui – disse ela em voz baixa.
      Ele parou. Olhou para ela espantado:
       – Por que aqui?
      – Eu moro aqui. Venha me ver quando quiser. Muito obrigada por tudo.
    E dando-lhe um último longo beijo, frio como o éter, abriu a porta do carro, passou através do portão fechado do cemitério e desapareceu.

(Para uma menina com uma flor, 2009.)

A
fantástico.
B
satírico.
C
realista.
D
ambíguo.
E
incoerente.

Gabarito comentado

B
Bruno MartinsMonitor do Qconcursos

Tema central: Interpretação de texto — especificamente, identificação do gênero fantástico em narrativas literárias.

Justificativa da alternativa correta:

A alternativa A) fantástico é a resposta correta. O final da crônica apresenta claramente um elemento sobrenatural: a mulher, após o envolvimento com o rapaz, atravessa o portão fechado do cemitério e desaparece. Trata-se de um evento impossível no plano da realidade, introduzindo uma ruptura entre o real e o extraordinário, característica fundamental da literatura fantástica.

Segundo Evanildo Bechara (Gramática Escolar da Língua Portuguesa), o fantástico ocorre quando "há dúvidas ou estranhamento quanto à verossimilhança dos fatos narrados, provocando dúvida entre o natural e o sobrenatural." Também David Roas reforça que o fantástico questiona a normalidade e incita o leitor ao estranhamento, o que claramente ocorre aqui.

Análise das alternativas incorretas:

B) Satírico: Sátira implica crítica por meio do humor, ironia ou exagero; não há elementos que indiquem crítica social ou escárnio no desfecho.
C) Realista: A literatura realista busca reproduzir a realidade de modo fiel, sem elementos sobrenaturais. O final do texto rompe com essa proposta.
D) Ambíguo: Embora o texto brinque com o mistério, o desfecho é suficiente para indicar o caráter sobrenatural e não admite múltiplas interpretações essenciais.
E) Incoerente: A narrativa apresenta coesão e lógica interna, culminando num desfecho inesperado, mas coerente com o universo fantástico.

Dicas para interpretação:

Ao analisar textos literários, busque palavras e situações que quebrem a lógica do cotidiano: no caso, o “frio como o éter”, a “palidez extrema”, a “travessia através do portão fechado”. Esses são indícios clássicos do fantástico.

Em concursos, leia atentamente os últimos parágrafos: é no desfecho que geralmente se revela o elemento-chave para a classificação do gênero.

Resumo: O desfecho da crônica só pode ser explicado por uma lógica fantástica, por isso, A é a alternativa correta. Treine seu olhar para os detalhes que desafiam o que seria plausível na vida real!

Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!

Estatísticas

Aulas sobre o assunto

Questões para exercitar

Artigos relacionados

Dicas de estudo