Questão 76d8a1d9-de
Prova:Esamc 2015
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

A expressão “A maioria estava desacompanhada”, que inicia o segundo parágrafo, traz em si alguns implícitos. Apenas não está entre tais implícitos a ideia de que:

Marginalzinho: a socialização de uma elite vazia e covarde

Parada em um sinal de trânsito, uma cena capturou minha atenção e me fez pensar como, ao longo da vida, a segregação da sociedade brasileira nos bestializa.

por Rosana Pinheiro-Machado — publicado 27/01/2015 15:08, última modificação 27/01/2015 15:44


     Era a largada de duas escolas que estavam situadas uma do lado da outra, separadas por um muro altíssimo de uma delas. Da escola pública saíam crianças correndo, brincando e falando alto. A maioria estava desacompanhada e dirigia-se ao ponto de ônibus da grande avenida, que terminaria nas periferias. Era uma massa escura, especialmente quando contrastada com a massa mais clara que saía da escola particular do lado: crianças brancas, de mãos dadas com os pais, babás ou seguranças, caminhando duramente em direção à fila de caminhonetes. Lado a lado, os dois grupos não se misturavam. Cada um sabia exatamente seu lugar. Desde muito pequenas, aquelas crianças tinham literalmente incorporado a segregação à brasileira, que se caracteriza pela mistura única entre o sistema de apartheid racial e o de castas de classes. Os corpos domesticados revelavam o triste processo de socialização ao desprezo, que tende a só piorar na vida adulta.
     Mas eis que, de repente, um menino negro, magro e sorridente, ousou subverter as regras tácitas. Brincando de correr em ziguezague, ele “invadiu” a área branca e se esbarrou num menino que, imediatamente, se agarrou desesperadamente no braço da mulher que lhe buscara. Foi um reflexo automático do medo. O menino “invasor” fez um gesto de desculpas – algo como “foi mal” -, e voltou a correr entre os seus, enquanto que a outra criança seguia petrificada.
     No olhar do menino “invadido”, havia um misto de medo, de raiva, mas principalmente, de nojo – como que se a outra criança tivesse uma doença altamente contagiosa. Não é difícil imaginar o impacto de esse olhar no inconsciente do menino negro e pobre. Este aprendia, desde muito cedo, que era um intocável, que vivia em uma sociedade na qual seu corpo, na esfera pública, valia menos que o de um menino da mesma idade, que ainda não tinha nenhum mérito conquistado, apenas privilégios herdados. As consequências desse gesto minúsculo serão trágicas para o menino "invadido", pois é vítima da ignorância social. Mas será muito mais trágica para quem é negro e desprovido de capital econômico, social e cultural. Para que essa criança não se corrompa no futuro, ela precisa ser salva do olhar de nojo.
     É possível que, por meio de leitura e mistura, o menino amedrontado se engrandeça politicamente no futuro, se liberte do muro que lhe protege e dispense o braço da babá. Mas, infelizmente, há uma tendência grande de que ele, cercado por medo e preconceito, passe o resto de sua existência se protegendo do “marginalzinho”. Pivetes, favelados, fedorentos: isso é tudo que ele ouve sobre seus vizinhos. Trata-se de uma verdade histórica a priori, para além da qual não se consegue pensar. Essas categorias compõem o discurso forjado sobre a pobreza, que, em última instância, visa à intervenção e à manutenção do poder. Reproduzindo este discurso, então, o menino tornar-se-á um adulto. Ele blindará seu carro, colocará alarme em sua casa, pedirá a morte de traficantes. Dirá que rolezinho é arrastão, pedirá mais polícia e curtirá a vida em camarotes. Pode ser até que ele peça a volta da ditadura. Achando que é um cidadão de bem que age contra a marginalidade do mal, forma-se um perfeito idiota.
(Adaptado de , 27/01/2015. Disponível em Carta Capital http://www.cartacapital.com.br/sociedade/marginalzinho-asocializacao-de-uma-elite-vazia-e-covarde-3514.html)

A
Os estudantes da escola particular eram minoria na saída.
B
Os acompanhantes das crianças buscam garantir sua segurança.
C
As crianças da escola pública são mais autônomas no ir-e-vir.
D
As crianças da massa escura são desprezadas por seus responsáveis.
E
O suporte do “acompanhante” é um privilégio de poucos.

Gabarito comentado

C
Carla CerqueiraMonitor do Qconcursos

Tema central: Interpretação de Texto, com ênfase na identificação de informações implícitas e implícitas no trecho analisado.

Regra-chave: Pela norma-padrão e pelas gramáticas de referência (Bechara, Cunha & Cintra), a inferência textual exige que o leitor distinga com clareza aquilo que o texto diz diretamente (explícito) daquilo que pode ser deduzido com base no contexto (implícito), sem extrapolar ou incluir juízos não sustentados pelo texto.

Justificativa da alternativa correta (D):

A frase “A maioria estava desacompanhada” indica apenas que as crianças da escola pública, na sua maioria, não tinham acompanhantes ao sair. Não se pode inferir, daí, que são desprezadas por seus responsáveis. Essa interpretação ultrapassa o universo semântico apresentado, pois ausência de companhia não equivale a descaso ou desprezo.

Segundo Bechara, “a inferência depende da existência de elementos contextuais que apontem ao sentido pretendido; tudo o que extrapola esses indícios é precipitação do leitor”. Logo, a alternativa D não decorre de nenhum implícito legítimo do trecho.

Análise das alternativas incorretas:

  • A) É legítimo supor que, se a “maioria” estava desacompanhada (alunas da escola pública), os da escola particular eram minoria. O contexto permite a dedução.
  • B) A ideia de segurança é plausível, pois a presença de acompanhantes (pais, babás, seguranças) remete a esse cuidado, conforme se observa no trecho.
  • C) A ausência de acompanhantes indica maior autonomia dessas crianças no deslocamento, sem induzir juízo negativo.
  • E) Se a maioria não tem acompanhante, ser acompanhado é privilégio de poucos, inferência direkt do dado quantitativo à realidade social.

Estratégia para questões similares: Releia sempre a frase e as alternativas, buscando distinguir o que está realmente dito daquilo que seria julgamento do leitor. Duvide do que foge do texto!

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