No trecho do último parágrafo “Na prisão, Almira comportou-se com delicadeza e alegria, talvez melancólica, mas alegria mesmo.”, a expressão em destaque
Leia o texto para responder a questão.
Foi exatamente durante o almoço que se deu o fato.
Almira continuava a querer saber por que Alice viera
atrasada e de olhos vermelhos. Abatida, Alice mal respondia.
Almira comia com avidez e insistia com os olhos cheios de
lágrimas.
– Sua gorda! disse Alice de repente, branca de raiva.
Você não pode me deixar em paz?!
Almira engasgou-se com a comida, quis falar, começou a
gaguejar. Dos lábios macios de Alice haviam saído palavras
que não conseguiam descer com a comida pela garganta de
Almira G. de Almeida.
– Você é uma chata e uma intrometida, rebentou de novo
Alice. Quer saber o que houve, não é? Pois vou lhe contar,
sua chata: é que Zequinha foi embora para Porto Alegre e
não vai mais voltar! Agora está contente, sua gorda?
Na verdade Almira parecia ter engordado mais nos últimos momentos, e com comida ainda parada na boca.
Foi então que Almira começou a despertar. E, como se
fosse uma magra, pegou o garfo e enfiou-o no pescoço de
Alice. O restaurante, ao que se disse no jornal, levantou-se
como uma só pessoa. Mas a gorda, mesmo depois de ter
feito o gesto, continuou sentada olhando para o chão, sem ao
menos olhar o sangue da outra.
Alice foi ao pronto-socorro, de onde saiu com curativos
e os olhos ainda regalados de espanto. Almira foi presa em
flagrante.
Na prisão, Almira comportou-se com delicadeza e alegria,
talvez melancólica, mas alegria mesmo. Fazia graças para as
companheiras. Finalmente tinha companheiras. Ficou encarregada da roupa suja, e dava-se muito bem com as guardiãs,
que vez por outra lhe arranjavam uma barra de chocolate.
(Clarice Lispector. A Legião Estrangeira, 1964. Adaptado)
Gabarito comentado
Comentário da questão – Interpretação de Texto e Ênfase por meio de conjunção adversativa
Tema central: Esta questão avalia sua capacidade de interpretação de texto, especialmente a leitura cuidadosa de trechos que trazem nuances semânticas com o uso da conjunção “mas”. Ela exige identificar quando um conectivo é empregado não só para oposição, mas para dar ênfase a determinado aspecto narrativo.
Regra gramatical envolvida: Segundo gramáticas como a de Evanildo Bechara e Celso Cunha & Lindley Cintra, a conjunção “mas” geralmente introduz uma ideia contrária à anterior. No entanto, há contextos em que seu uso serve para intensificar ou valorizar o termo que vem em seguida, funcionando como marcador de contraste para fortalecer o sentido, e não negá-lo.
Análise do trecho: Em “talvez melancólica, mas alegria mesmo”, o autor admite a possibilidade de certa melancolia, porém faz questão de destacar que o que estava realmente presente era alegria — enfatizou o sentimento predominante. Essa estrutura textual é recorrente para afastar dúvidas sobre o estado emocional da personagem, destacando predominância da alegria em detrimento de qualquer nota de tristeza.
Estratégia: Sempre observe se o conectivo está sendo usado estritamente como oposição, ou se há intenção de reforçar uma ideia, afastando dúvidas. Esse tipo de construção, comum em literatura e jornalismo, é uma pegadinha frequente em provas.
Análise das alternativas:
A) Incorreta, pois não está negando a possibilidade de alegria — ao contrário, confirma essa possibilidade.
B) Incorreta, porque “exasperação” (irritação) não aparece nem é sugerida no contexto.
C) Incorreta, já que o trecho não opõe diretamente alegria ao crime, mas sim reforça o estado de espírito predominante.
D) Incorreta, porque não é a melancolia que está sendo enfatizada, e sim a alegria.
E) Correta! Está em conformidade com a análise textual e a função do “mas” nesse contexto: enfatizar a ideia de que Almira estava feliz na prisão.
Resumo: A alternativa E é a correta, pois capta precisamente a função enfática do “mas” no trecho citado, destacando a alegria de Almira.
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