O eufemismo (do grego euphemismós, que significava
“emprego de uma palavra favorável no lugar de uma de mau
augúrio”, vocábulo formado de eu, “bem” + femi, “dizer, falar”,
designando, pois, “o ato de falar de uma maneira agradável”)
é a figura de retórica em que há uma diminuição da intensidade semântica, com a utilização de uma expressão atenuada
para dizer alguma coisa desagradável.
(José Luiz Fiorin. Figuras de retórica, 2014. Adaptado.)
Verifica-se a ocorrência desse recurso no seguinte trecho:
Leia o trecho inicial de um artigo do livro Bilhões e bilhões
do astrônomo e divulgador científico Carl Sagan (1934-1996)
para responder à questão.
O tabuleiro de xadrez persa Segundo o modo como ouvi pela primeira vez a história,
aconteceu na Pérsia antiga. Mas podia ter sido na Índia ou
até na China. De qualquer forma, aconteceu há muito tempo.
O grão-vizir, o principal conselheiro do rei, tinha inventado um
novo jogo. Era jogado com peças móveis sobre um tabuleiro
quadrado que consistia em 64 quadrados vermelhos e pretos. A peça mais importante era o rei. A segunda peça mais
importante era o grão-vizir – exatamente o que se esperaria
de um jogo inventado por um grão-vizir. O objetivo era capturar o rei inimigo e, por isso, o jogo era chamado, em persa,
shahmat – shah para rei, mat para morto. Morte ao rei. Em
russo, é ainda chamado shakhmat. Expressão que talvez
transmita um remanescente sentimento revolucionário. Até
em inglês, há um eco desse nome – o lance final é chamado
checkmate (xeque-mate). O jogo, claro, é o xadrez. Ao longo
do tempo, as peças, seus movimentos, as regras do jogo,
tudo evoluiu. Por exemplo, já não existe um grão-vizir – que
se metamorfoseou numa rainha, com poderes muito mais
terríveis.
A razão de um rei se deliciar com a invenção de um jogo
chamado “Morte ao rei” é um mistério. Mas reza a história
que ele ficou tão encantado que mandou o grão-vizir determinar sua própria recompensa por ter criado uma invenção tão
magnífica. O grão-vizir tinha a resposta na ponta da língua:
era um homem modesto, disse ao xá. Desejava apenas uma
recompensa simples. Apontando as oito colunas e as oito filas de quadrados no tabuleiro que tinha inventado, pediu que
lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado,
o dobro dessa quantia no segundo, o dobro dessa quantia no
terceiro e assim por diante, até que cada quadrado tivesse
o seu complemento de trigo. Não, protestou o rei, era uma
recompensa demasiado modesta para uma invenção tão importante. Ofereceu joias, dançarinas, palácios. Mas o grão-vizir, com os olhos apropriadamente baixos, recusou todas
as ofertas. Só desejava pequenos montes de trigo. Assim,
admirando-se secretamente da humildade e comedimento de
seu conselheiro, o rei consentiu.
No entanto, quando o mestre do Celeiro Real começou a
contar os grãos, o rei se viu diante de uma surpresa desagradável. O número de grãos começa bem pequeno: 1, 2, 4, 8,
16, 32, 64, 128, 256, 512, 1024... mas quando se chega ao
64o
quadrado, o número se torna colossal, esmagador. Na
realidade, o número é quase 18,5 quintilhões*. Talvez o grão-vizir estivesse fazendo uma dieta rica em fibras.
Quanto pesam 18,5 quintilhões de grãos de trigo? Se
cada grão tivesse o tamanho de um milímetro, todos os grãos
juntos pesariam cerca de 75 bilhões de toneladas métricas, o
que é muito mais do que poderia ser armazenado nos celeiros do xá. Na verdade, esse número equivale a cerca de 150
anos da produção de trigo mundial no presente. O relato do
que aconteceu a seguir não chegou até nós. Se o rei, inadimplente, culpando-se pela falta de atenção nos seus estudos
de aritmética, entregou o reino ao vizir, ou se o último experimentou as aflições de um novo jogo chamado vizirmat, não
temos o privilégio de saber.
*1 quintilhão = 1 000 000 000 000 000 000 = 1018. Para se contar esse número a partir de 0 (um número por segundo, dia e noite), seriam necessários
32 bilhões de anos (mais tempo do que a idade do universo).
(Carl Sagan. Bilhões e bilhões, 2008. Adaptado.)
Gabarito comentado
Tema central da questão: Figuras de linguagem – Eufemismo
A questão avalia a habilidade de identificar a figura de linguagem chamada eufemismo. Segundo a norma-padrão e autores como Bechara (Moderna Gramática Portuguesa) e Fiorin (Figuras de Retórica), eufemismo consiste em suavizar expressões potencialmente desagradáveis, usando termos mais amenos.
Justificativa da alternativa correta:
A) “se o último experimentou as aflições de um novo jogo chamado vizirmat”
Neste trecho, o autor suaviza possíveis consequências graves ao grão-vizir (provavelmente a morte) dizendo apenas que ele “experimentou as aflições de um novo jogo”, sem afirmar diretamente a morte ou punição. Este é o exemplo clássico de eufemismo, substituindo expressão chocante por outra mais branda, conforme destacado no conceito de Fiorin.
Por que as demais alternativas estão erradas?
B) “O número de grãos começa bem pequeno”
Nenhuma informação desagradável está sendo suavizada; trata-se de um dado literal sobre a contagem dos grãos.
C) “pediu que lhe fosse dado um único grão de trigo no primeiro quadrado”
O pedido do grão-vizir é dito de forma objetiva, sem atenuação de sentido.
D) “De qualquer forma, aconteceu há muito tempo”
Expressa apenas uma informação temporal, sem suavização de conteúdo negativo.
E) “admirando-se secretamente da humildade e comedimento de seu conselheiro”
Há um relato direto do pensamento do rei, sem emprego de eufemismo.
Estratégia de interpretação:
Em provas, atente-se sempre ao contexto e à intenção do autor! O eufemismo aparece onde há ocultação suave de fatos desagradáveis. Palavras como “aflições”, “partiu”, “descansou”, quando substituem “castigo” ou “morte”, costumam sinalizar esse recurso.
Resumo: Marque quando o autor ameniza uma dureza — é aí que está o eufemismo.
Gabarito: A
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