O narrador relata que Fortunato, ao chegar à porta, estacou
assombrado. Isso ocorreu porque este
Leia o final do conto A causa secreta, de Machado de Assis, para
responder à questão. Fortunato saiu, foi deitar-se no sofá da saleta contígua, e
adormeceu logo. Vinte minutos depois acordou, quis dormir
outra vez, cochilou alguns minutos, até que se levantou e voltou à
sala. Caminhava nas pontas dos pés para não acordar a parenta,
que dormia perto. Chegando à porta, estacou assombrado.
Garcia tinha-se chegado ao cadáver, levantara o lenço e
contemplara por alguns instantes as feições defuntas. Depois,
como se a morte espiritualizasse tudo, inclinou-se e beijou-a na
testa. Foi nesse momento que Fortunato chegou à porta. Estacou assombrado; não podia ser o beijo da amizade, podia ser o
epílogo de um livro adúltero. Não tinha ciúmes, note-se; a natureza compô-lo de maneira que lhe não deu ciúmes nem inveja,
mas dera-lhe vaidade, que não é menos cativa ao ressentimento.
Olhou assombrado, mordendo os beiços.
Entretanto, Garcia inclinou-se ainda para beijar outra vez o
cadáver; mas então não pôde mais. O beijo rebentou em soluços,
e os olhos não puderam conter as lágrimas, que vieram em borbotões, lágrimas de amor calado, e irremediável desespero. Fortunato, à porta, onde ficara, saboreou tranquilo essa explosão
de dor moral que foi longa, muito longa, deliciosamente longa.
(Contos escolhidos, 1994.)
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de texto – inferência de sentidos implícitos a partir do comportamento das personagens e suas reações, conforme a norma-padrão e as recomendações de grandes gramáticos como Bechara e Cunha & Cintra.
Justificativa da alternativa correta (D):
A resposta correta é a D) flagrou a sua mulher morta sendo beijada por Garcia, indício de que fora traído. O núcleo da questão está na capacidade de perceber o subentendido: Fortunato vê Garcia beijando o cadáver de sua esposa e chorando, deduzindo – mesmo que implicitamente – uma possível traição. O texto diz: “não podia ser o beijo da amizade, podia ser o epílogo de um livro adúltero”. Segundo Bechara, para interpretar corretamente, o aluno deve identificar pistas do texto que revelam sentidos além do explícito.
Além disso, percebe-se, pela análise de coesão e coerência, que a narrativa mostra Fortunato “mordendo os beiços”, “saboreando” o sofrimento do outro e não demonstrando ciúmes, mas ressentimento. Tais pistas reforçam o viés de suspeita e não de simples amizade ou puro amor.
Análise das alternativas incorretas:
- A) Fortunato não pensa que Garcia descobriu alguma relação adúltera já existente; ele apenas sugere (no seu olhar), por inferência, que o gesto poderia ser visto como consequência de adultério.
- B) O texto não sugere que Garcia tenha causado a morte da esposa; apenas mostra o gesto de pesar e carinho sobre o cadáver.
- C) O comportamento de Fortunato indica dúvida e suspeita, não “confirmação de amizade sincera”. O termo “não podia ser o beijo da amizade” reforça que essa opção está incorreta.
- E) Não há indicação de que Fortunato tenha refletido sobre o próprio amor pela esposa; toda a atenção do texto recai sobre a reação de Garcia e o modo como Fortunato interpreta – ou julga – essa reação.
Estratégias para questões de interpretação:
Procure localizar palavras-chave (“beijo”, “epílogo de um livro adúltero”, “não podia ser o beijo da amizade”), analisar o comportamento das personagens e distinguir o dito do implícito. Segundo Cunha & Cintra, a leitura eficiente transita pelo texto buscando sinais linguísticos e psicológicos das intenções dos personagens.
Em síntese: a chave desta questão está em inferir o sentido subentendido do ato de Garcia, a partir da ótica de Fortunato, já que o texto insinua a suspeita de traição.
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