Questão 6c74abc3-b1
Prova:UNIFESP 2014
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

No texto, o narrador sugere que tinha sido condenado por um crime

Leia o texto para responder a questão.


    Cumpridos dez anos de prisão por um crime que não pratiquei e do qual, entanto, nunca me defendi, morto para a vida e para os sonhos: nada podendo já esperar e coisa alguma desejando – eu venho fazer enfim a minha confissão: isto é, demonstrar a minha inocência.

Talvez não me acreditem. Decerto que não me acreditam. Mas pouco importa. O meu interesse hoje em gritar que não assassinei Ricardo de Loureiro é nulo. Não tenho família; não preciso que me reabilitem. Mesmo quem esteve dez anos preso, nunca se reabilita. A verdade simples é esta.

    E àqueles que, lendo o que fica exposto, me perguntarem: “Mas por que não fez a sua confissão quando era tempo? Por que não demonstrou a sua inocência ao tribunal?”, a esses responderei: – A minha defesa era impossível. Ninguém me acreditaria. E fora inútil fazer-me passar por um embusteiro ou por um doido… Demais, devo confessar, após os acontecimentos em que me vira envolvido nessa época, ficara tão despedaçado que a prisão se me afigurava uma coisa sorridente. Era o esquecimento, a tranquilidade, o sono. Era um fim como qualquer outro – um termo para a minha vida devastada. Toda a minha ânsia foi pois de ver o processo terminado e começar cumprindo a minha sentença.

    De resto, o meu processo foi rápido. Oh! o caso parecia bem claro… Eu nem negava nem confessava. Mas quem cala consente… E todas as simpatias estavam do meu lado.

    O crime era, como devem ter dito os jornais do tempo, um “crime passional”. Cherchez la femme*. Depois, a vítima um poeta – um artista. A mulher romantizara-se desaparecendo. Eu era um herói, no fim de contas. E um herói com seus laivos de mistério, o que mais me aureolava. Por tudo isso, independentemente do belo discurso de defesa, o júri concedeu-me circunstâncias atenuantes. E a minha pena foi curta.

    Ah! foi bem curta – sobretudo para mim… Esses dez anos esvoaram-se-me como dez meses. É que, em realidade, as horas não podem mais ter ação sobre aqueles que viveram um instante que focou toda a sua vida. Atingido o sofrimento máximo, nada já nos faz sofrer. Vibradas as sensações máximas, nada já nos fará oscilar. Simplesmente, este momento culminante raras são as criaturas que o vivem. As que o viveram ou são, como eu, os mortos-vivos, ou – apenas – os desencantados que, muita vez, acabam no suicídio.

Cherchez la femme: Procurem a mulher. 

(Mário de Sá-Carneiro. A confissão de Lúcio, 2011.)

A
praticado pelo poeta, de quem tomou a responsabilidade para que este pudesse fugir com a mulher amada, isento de culpa.
B
motivado por questões amorosas, sobre o qual não emitiu um posicionamento claro que negasse ou confirmasse a sua culpa.
C
ocorrido acidentalmente, fruto da percepção equivocada de que o poeta estaria em um romance proibido com a sua mulher.
D
praticado pela esposa do artista, a quem acreditava que deveria recair a pena, mas não dispunha de provas suficientes para poder incriminá-la.
E
marcado pelo mistério, que teve como vítimas o poeta e a mulher, e que contou com uma defesa confusa e permeada de inconsistências.

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