No fragmento do conto “Rápido, rápido”, de
Moacyr Scliar (Texto 6), nota-se agilidade no ritmo
da narrativa, que tem a ver, diretamente, com o ritmo
explorado na temática desse texto e com o seu enredo.
Com base no fragmento citado e considerando esta afirmação,
assinale, a seguir, a alternativa correta:
TEXTO 6
Rápido, rápido
Sofro – sofri – de progéria, uma doença na qual o organismo corre doidamente para a velhice e a morte. Doidamente talvez não seja a palavra, mas não me ocorre outra e não tenho tempo de procurar no dicionário – nós, os da progéria, somos pessoas de um desmesurado senso de urgência. Estabelecer prioridades é, para nós, um processo tão vital como respirar. Para nós, dez minutos equivalem a um ano. Façam a conta, vocês que têm tempo, vocês que pensam que têm tempo. Enquanto isso, eu vou escrevendo aqui – e só espero poder terminar. Cada letra minha equivale a páginas inteiras de vocês. Façam a conta, vocês. Enquanto isso, e resumindo:
8h15min – Estou nascendo. Sou o primeiro filho – que azar! – e o parto é longo, difícil. Respiro, e já vou dizendo as primeiras palavras (coisas muito simples, naturalmente: mamã, papá) para grande surpresa de todos! Maior surpresa eles têm quando me colocam no berço – desço meia hora depois, rindo e pedindo comida! Rindo! Àquela hora,
8h45min – eu ainda podia rir.
9h20min – Já fui amamentado, já passei da fase oral – meus pais (ele, dono de um pequeno armazém; ela, de prendas domésticas) já aceitaram, ao menos em parte, a realidade, depois que o pediatra (está aí uma especialidade que não me serve) lhes explicou o diagnóstico e o prognóstico. E já estou com dentes! Em poucos minutos (de acordo com o relógio de meu pai, bem entendido) tenho sarampo, varicela, essas coisas todas.
Meus pais me matriculam na escola, não se dando conta que às 10h40min, quando a sineta bater para o recreio, já terei idade para concluir o primeiro grau. Vou para a escola de patinete; já na esquina, porém, abandono o brinquedo que parece-me então muito infantil. Volto-me, e lá estão os meus pais chorando, pobre gente.
10h20min – Não posso esperar o recreio; peço licença à professora e saio. Vou ao banheiro; a seiva da vida circula impaciente em minhas veias. Manipulo-me. Meu desejo tem nome: Mara, da oitava série. Por enquanto é mais velha do que eu. Lá pelas onze horas poderia namorá-la – mas então, já não estarei no colégio. Ali, me foge o doce pássaro da juventude.
[...]
(SCLIAR, Moacyr. Melhores contos. 6. ed. São Paulo: Global, 2003. p. 54-55.)
TEXTO 6
Rápido, rápido
Sofro – sofri – de progéria, uma doença na qual o organismo corre doidamente para a velhice e a morte. Doidamente talvez não seja a palavra, mas não me ocorre outra e não tenho tempo de procurar no dicionário – nós, os da progéria, somos pessoas de um desmesurado senso de urgência. Estabelecer prioridades é, para nós, um processo tão vital como respirar. Para nós, dez minutos equivalem a um ano. Façam a conta, vocês que têm tempo, vocês que pensam que têm tempo. Enquanto isso, eu vou escrevendo aqui – e só espero poder terminar. Cada letra minha equivale a páginas inteiras de vocês. Façam a conta, vocês. Enquanto isso, e resumindo:
8h15min – Estou nascendo. Sou o primeiro filho – que azar! – e o parto é longo, difícil. Respiro, e já vou dizendo as primeiras palavras (coisas muito simples, naturalmente: mamã, papá) para grande surpresa de todos! Maior surpresa eles têm quando me colocam no berço – desço meia hora depois, rindo e pedindo comida! Rindo! Àquela hora,
8h45min – eu ainda podia rir.
9h20min – Já fui amamentado, já passei da fase oral – meus pais (ele, dono de um pequeno armazém; ela, de prendas domésticas) já aceitaram, ao menos em parte, a realidade, depois que o pediatra (está aí uma especialidade que não me serve) lhes explicou o diagnóstico e o prognóstico. E já estou com dentes! Em poucos minutos (de acordo com o relógio de meu pai, bem entendido) tenho sarampo, varicela, essas coisas todas.
Meus pais me matriculam na escola, não se dando conta que às 10h40min, quando a sineta bater para o recreio, já terei idade para concluir o primeiro grau. Vou para a escola de patinete; já na esquina, porém, abandono o brinquedo que parece-me então muito infantil. Volto-me, e lá estão os meus pais chorando, pobre gente.
10h20min – Não posso esperar o recreio; peço licença à professora e saio. Vou ao banheiro; a seiva da vida circula impaciente em minhas veias. Manipulo-me. Meu desejo tem nome: Mara, da oitava série. Por enquanto é mais velha do que eu. Lá pelas onze horas poderia namorá-la – mas então, já não estarei no colégio. Ali, me foge o doce pássaro da juventude.
[...]
(SCLIAR, Moacyr. Melhores contos. 6. ed. São Paulo: Global, 2003. p. 54-55.)
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de texto narrativo literário, com foco em coesão, coerência e recursos linguísticos de ritmo e temporalidade.
Trata-se de um conto no qual a estrutura textual (demarcação do tempo, verbos acelerados, fragmentação do relato) está diretamente conectada à temática da urgência e efemeridade. Scliar utiliza a doença progéria como metáfora para transmitir a fugacidade do tempo e da vida.
Justificativa da alternativa correta – D:
A alternativa D sintetiza os recursos centrais do texto:
- Menciona o título ("Rápido, rápido"), que antecipa o ritmo veloz da narrativa.
- Destaca a aceleração do tempo presente nos verbos (“Sofro – sofri”), ilustrando as passagens aceleradas do tempo vivido pelo personagem.
- Alude à demarcação do horário minucioso, reforçando a ideia de que cada momento conta por uma fração desproporcional do viver.
- Aponta que tais recursos transcendem o tema da doença, abordando também reflexões mais universais sobre a efemeridade da existência.
Segundo autores como Cunha & Cintra, coesão e coerência são essenciais para a construção desse sentido integral. O texto não se resume à doença, mas à própria rapidez – física e existencial.
Análise das alternativas incorretas:
- A: Errada, pois foca excessivamente na atmosfera intimista/confessional e não explora a dimensão do ritmo acelerado como eixo central.
- B: Incorreta, pois embora haja urgência, o tom principal não é de alerta ou desespero, mas de exposição da passagem rápida da vida.
- C: Equivocada, pois reduz o efeito da aceleração à demarcação do horário, desconsiderando outros recursos narrativos como ações e verbos.
Estratégias de prova:
Procure identificar palavras-chave (ex: “fugacidade”, “urgência”, títulos sugestivos) e verifique se as alternativas abrangem de fato o(s) conceito(s) principal(ais) do texto. Atenção a pegadinhas que reduzem o tema ou trocam o foco narrativo.
No Manual de Redação da Presidência da República e em gramáticas normativas como a de Bechara, valoriza-se a análise precisa da progressão textual e do sentido global. A resposta correta abrange o todo textual e os recursos composicionais empregados.
Gostou do comentário? Deixe sua avaliação aqui embaixo!






