No teatro, as indicações entre parênteses são chamadas
rubricas e são usadas para indicar gestos ou movimentos
dos atores. Considerando-se essa informação,
assinale a alternativa que revela corretamente a função
da sequência de verbos – cair, puxar, abrir, rasgar, tombar,
enrolar-se – que antecedem o verbo “morrer” na rubrica
anterior à última fala de Aprígio, no excerto de O
beijo no asfalto:
TEXTO 4
Aprígio – Saia, Dália! (Dália abandona o quarto,
correndo, em desespero. Sogro e genro, face a face)
Vim aqui para.
Arandir (para o sogro quase chorando) – Está satisfeito?
Aprígio – Vim aqui.
Arandir (na sua cólera) – Está satisfeito? O senhor
é um dos responsáveis. Eu acho que é o senhor. O
senhor que está por trás...
Aprígio – Quem sabe?
Arandir – Por trás desse repórter. O senhor teve a
coragem de. Ou pensa que eu não sei? Selminha me
contou. Contou tudo! O senhor fez insinuações. Insinuações!
A meu respeito!
Aprígio – Você quer me.
Arandir (sem ouvi-lo) – O senhor fez tudo! Tudo pra
me separar de Selminha!
Aprígio – Posso falar?
Arandir (erguendo a voz) – O senhor não queria o
nosso casamento!
Aprígio (violento) – Escuta! Vim aqui saber! Escuta!
Você conhecia esse rapaz?
Arandir (desesperado) – Nunca vi.
Aprígio – Era um desconhecido?
Arandir – Juro! Por tudo que há de mais! Que nunca,
nunca!
Aprígio – Mentira!
Arandir (desesperado) – Vi pela primeira vez!
Aprígio – Cínico! (muda de tom, com uma Ferocidade)
Escuta! Você conhecia o rapaz. Conhecia! Eram
amantes! E você matou. Empurrou o rapaz!
Arandir (violento) – Deus sabe!
Aprígio – Eu não acredito em você. Ninguém acredita.
Os jornais, as rádios! Não há uma pessoa, uma
única, em toda a cidade. Ninguém!
Arandir (com a voz estrangulada) – Ninguém acredita,
mas eu! Eu acredito, acredito em mim!
Aprígio – Você, olha!
Arandir – Selminha há de acreditar!
Aprígio (fora de si) – Cala a boca! (muda de tom) Eu
te perdoaria tudo! Eu perdoaria o casamento. Escuta!
Ainda agora, eu estava na porta ouvindo. Ouvi tudo.
Você tentando seduzir a minha filha menor!
Arandir – Nunca!
Aprígio – Mas eu perdoaria, ainda. Eu perdoaria
que você fosse espiar o banho da cunhada. Você quis
ver a cunhada nua.
Arandir – Mentira!
Aprígio – Eu perdoaria tudo. (mais violento) Só não
perdoo o beijo no asfalto. Só não perdoo o beijo que
você deu na boca de um homem!
Arandir (para si mesmo) – Selminha!
Aprígio (muda de tom, suplicante) – Pela última vez, diz! Eu preciso saber! Quero a verdade! A verdade!
Vocês eram amantes? (sem esperar a resposta, furioso)
Mas não responda. Eu não acredito. Nunca, nunca,
eu acreditarei. (numa espécie de uivo) Ninguém
acredita!
Arandir – Vou buscar minha mulher. (Aprígio recua,
puxando o revólver.)
Aprígio (apontando) – Não se mexa! Fique onde
está!
Arandir (atônito) – O senhor vai.
Aprígio – Você era o único homem que não podia
casar com a minha filha! O único!
Arandir (atônito e quase sem voz) – O senhor me
odeia porque. Deseja a própria filha. É paixão. Carne.
Tem ciúmes de Selminha.
Aprígio (num berro) – De você! (estrangulando a voz)
Não de minha filha. Ciúmes de você. Tenho! Sempre.
Desde o teu namoro, que eu não digo o teu nome. Jurei
a mim mesmo que só diria teu nome a teu cadáver.
Quero que você morra sabendo. O meu ódio é amor.
Por que beijaste um homem na boca? Mas eu direi o
teu nome. Direi teu nome a teu cadáver.
(Aprígio atira, a primeira vez. Arandir cai de joelhos.
Na queda, puxa uma folha de jornal, que estava aberta
na cama. Torcendo-se. abre o jornal, como uma
espécie de escudo ou bandeira. Aprígio atira, novamente,
varando o papel impresso. Num espasmo de
dor, Arandir rasga a folha. E tomba, enrolando-se no
jornal. Assim morre.)
Aprígio – Arandir! (mais forte) Arandir! (um último
canto) Arandir!
Cai a luz, em resistência, sobre o cadáver de Arandir.
Trevas.(RODRIGUES, Nelson. O beijo no asfalto. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 101-104.)
TEXTO 4
Aprígio – Saia, Dália! (Dália abandona o quarto, correndo, em desespero. Sogro e genro, face a face) Vim aqui para.
Arandir (para o sogro quase chorando) – Está satisfeito?
Aprígio – Vim aqui.
Arandir (na sua cólera) – Está satisfeito? O senhor é um dos responsáveis. Eu acho que é o senhor. O senhor que está por trás...
Aprígio – Quem sabe?
Arandir – Por trás desse repórter. O senhor teve a coragem de. Ou pensa que eu não sei? Selminha me contou. Contou tudo! O senhor fez insinuações. Insinuações! A meu respeito!
Aprígio – Você quer me.
Arandir (sem ouvi-lo) – O senhor fez tudo! Tudo pra me separar de Selminha!
Aprígio – Posso falar?
Arandir (erguendo a voz) – O senhor não queria o nosso casamento!
Aprígio (violento) – Escuta! Vim aqui saber! Escuta! Você conhecia esse rapaz?
Arandir (desesperado) – Nunca vi.
Aprígio – Era um desconhecido?
Arandir – Juro! Por tudo que há de mais! Que nunca, nunca!
Aprígio – Mentira!
Arandir (desesperado) – Vi pela primeira vez!
Aprígio – Cínico! (muda de tom, com uma Ferocidade) Escuta! Você conhecia o rapaz. Conhecia! Eram amantes! E você matou. Empurrou o rapaz!
Arandir (violento) – Deus sabe!
Aprígio – Eu não acredito em você. Ninguém acredita. Os jornais, as rádios! Não há uma pessoa, uma única, em toda a cidade. Ninguém!
Arandir (com a voz estrangulada) – Ninguém acredita, mas eu! Eu acredito, acredito em mim!
Aprígio – Você, olha!
Arandir – Selminha há de acreditar!
Aprígio (fora de si) – Cala a boca! (muda de tom) Eu te perdoaria tudo! Eu perdoaria o casamento. Escuta! Ainda agora, eu estava na porta ouvindo. Ouvi tudo. Você tentando seduzir a minha filha menor!
Arandir – Nunca!
Aprígio – Mas eu perdoaria, ainda. Eu perdoaria que você fosse espiar o banho da cunhada. Você quis ver a cunhada nua.
Arandir – Mentira!
Aprígio – Eu perdoaria tudo. (mais violento) Só não perdoo o beijo no asfalto. Só não perdoo o beijo que você deu na boca de um homem!
Arandir (para si mesmo) – Selminha!
Aprígio (muda de tom, suplicante) – Pela última vez, diz! Eu preciso saber! Quero a verdade! A verdade! Vocês eram amantes? (sem esperar a resposta, furioso) Mas não responda. Eu não acredito. Nunca, nunca, eu acreditarei. (numa espécie de uivo) Ninguém acredita!
Arandir – Vou buscar minha mulher. (Aprígio recua, puxando o revólver.)
Aprígio (apontando) – Não se mexa! Fique onde está!
Arandir (atônito) – O senhor vai.
Aprígio – Você era o único homem que não podia casar com a minha filha! O único!
Arandir (atônito e quase sem voz) – O senhor me odeia porque. Deseja a própria filha. É paixão. Carne. Tem ciúmes de Selminha.
Aprígio (num berro) – De você! (estrangulando a voz) Não de minha filha. Ciúmes de você. Tenho! Sempre. Desde o teu namoro, que eu não digo o teu nome. Jurei a mim mesmo que só diria teu nome a teu cadáver. Quero que você morra sabendo. O meu ódio é amor. Por que beijaste um homem na boca? Mas eu direi o teu nome. Direi teu nome a teu cadáver. (Aprígio atira, a primeira vez. Arandir cai de joelhos. Na queda, puxa uma folha de jornal, que estava aberta na cama. Torcendo-se. abre o jornal, como uma espécie de escudo ou bandeira. Aprígio atira, novamente, varando o papel impresso. Num espasmo de dor, Arandir rasga a folha. E tomba, enrolando-se no jornal. Assim morre.) Aprígio – Arandir! (mais forte) Arandir! (um último canto) Arandir!
(RODRIGUES, Nelson. O beijo no asfalto. Rio
de Janeiro: Nova Fronteira, 1995. p. 101-104.)
Gabarito comentado
Comentário de Gabarito – Interpretação de Texto (Função das Rubricas)
Tema central: A questão aborda interpretação de texto no gênero teatral, mais especificamente a função das rubricas (indicações cênicas entre parênteses) e a importância da sequência de verbos de ação na construção da atmosfera dramática da peça.
Explicação didática:
Segundo a norma-padrão, rubricas são orientações inseridas pelo dramaturgo para indicar gestos, movimentos, expressões e ações dos personagens. Servem para guiar a montagem cênica, tornando possíveis diferentes interpretações do texto ao sugerir climas, intenções ou emoções.
No trecho citado, a sequência de verbos “cair, puxar, abrir, rasgar, tombar, enrolar-se” antes de “morrer” descreve ações rápidas, intensas e visuais que ampliam a angústia, levando o espectador ao ponto alto do drama — o clímax trágico.
Como apresenta Celso Cunha e Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), a coesão sequencial de ações num texto dramático fortalece a atmosfera e prepara o público para o desfecho.
Análise das alternativas:
B) Correta: A sequência intensa de ações contribui diretamente para a atmosfera dramática da peça. O detalhamento de cada movimento de Arandir cria tensão, reforçando o clima de tragédia. Estratégia: ao ler, busque como o ritmo das ações gera expectativa e emoção.
A) Incorreta: Não há indício, pelo texto, de que as ações sugerem esperança de final feliz — ao contrário, elas apenas reforçam o caráter trágico e inevitável do desfecho.
C) Incorreta: O dinamismo dos verbos de ação não torna o texto mais adequado ao romance, já que a marcação de gestos é típica, e fundamental, no gênero teatral, como reforça a tradição de Nelson Rodrigues.
D) Incorreta: Não se observa o uso de ajuste rítmico ou aproximação com poesia; a função principal da sequência é o impacto dramático e não a musicalidade ou poeticidade.
Dicas de prova: Cuidado ao analisar rubricas: busque sempre seu papel na montagem teatral e na transmissão de sensações. Rubrica não é deslocamento poético, mas sim intensificação do drama. As “pegadinhas” costumam confundir ritmo (poesia) com tensão (drama), e descrição dinâmica com inadequação ao gênero.
Referência: Nova Gramática do Português Contemporâneo, Cunha & Cintra, cap. 14.
Gabarito: B
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