Assinale a alternativa que ilustra um momento em que, em situação de evidente desigualdade, um
personagem zomba (tem uma atitude sarcástica) da situação do outro.
Leia a fábula "O gato e a barata", de Millôr Fernandes, para responder à questão.
A baratinha velha subiu pelo pé do copo que, ainda com um pouco de vinho, tinha sido largado a
um canto da cozinha, desceu pela parte de dentro e começou a lambiscar o vinho. Dada a pequena
distância que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este. Bêbada, a baratinha
caiu dentro do copo. Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu mais,
tonteou mais e já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de sua
aflição, do alto do copo. – Gatinho, meu gatinho –, pediu ela – me salva, me salva. Me salva que assim que eu sair daqui eu
deixo você me engolir inteirinha, como você gosta. Me salva.
– Você deixa mesmo eu engolir você? – disse o gato.
– Me saaaalva! – implorou a baratinha. – Eu prometo. O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu e com ele a baratinha que, assim que
se viu no chão, saiu correndo para o buraco mais perto, onde caiu na gargalhada. – Que é isso? – perguntou o gato. – Você não vai sair daí e cumprir sua promessa? Você disse que
deixaria eu comer você inteira.
– Ah, ah, ah – riu então a barata, sem poder se conter. – E você é tão imbecil a ponto de acreditar
na promessa de uma barata velha e bêbada?
Moral: Às vezes a autodepreciação nos livra do pelotão.
(Diana Luz Pessoa de Barros. Teoria semiótica do texto, 2005.)
Gabarito comentado
Tema central: A questão exige interpretação de texto, especialmente a identificação de atitude sarcástica diante de uma situação de desigualdade entre personagens. Explora-se aqui o entendimento de figuras de linguagem, em especial ironia e sarcasmo, habilidades essenciais conforme recomendam autores como Celso Cunha & Lindley Cintra sobre leitura crítica.
Comentário da alternativa correta – Letra C:
"já quase morria quando deparou com o carão do gato doméstico que sorria de sua aflição, do alto do copo."
Neste trecho, fica evidente a superioridade do gato (ele está no alto, olhando para baixo e sorrindo diante do sofrimento da barata). Esse sorriso revela sarcasmo: o gato, em clara vantagem, diverte-se com o desespero da barata, zombando dela. Segundo Evanildo Bechara, a interpretação profunda exige que o leitor perceba não só o sentido literal, mas também as intenções implícitas da narrativa.
Análise das alternativas incorretas:
A) "Dada a pequena distância que nas baratas vai da boca ao cérebro, o álcool lhe subiu logo a este."
Esse trecho apresenta uma observação irônica do narrador, mas não entre personagens, nem há desigualdade explícita entre eles.
B) "Debateu-se, bebeu mais vinho, ficou mais tonta, debateu-se mais, bebeu mais, tonteou mais."
Aqui, há somente a descrição do estado da barata, sem interação com outro personagem ou intenção sarcástica dirigida.
D) "– Gatinho, meu gatinho –, pediu ela – me salva, me salva."
Neste momento, a barata pede ajuda — não há sarcasmo nem zombaria, e sim súplica.
E) "O gato então virou o copo com uma pata, o líquido escorreu e com ele a baratinha."
O trecho relata um fato, sem qualquer expressão de zombaria ou sarcasmo.
Ponto-chave para resolver a questão: Foque nas relações entre os personagens e observe quem detém poder na situação, identificando expressões que indiquem desprezo, riso ou desdém. Atitudes sarcásticas geralmente partem daquele em vantagem, como ocorre com o gato no trecho da alternativa C.
Dica para provas futuras: Atenção a verbos como “sorrir”, “rir”, “zombar” ou construções que exibam prazer com o sofrimento alheio — essas são pistas textuais de sarcasmo.
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