Ao dizer "força de expressão" (2° parágrafo), o narrador informa que não se devem tomar as
palavras em seu sentido
Considere o trecho inicial do conto "Uns sábados, uns agostos", de Caio Fernando Abreu, para
responder à questão.
Eles vinham aos sábados, sem telefonar. Não lembro desde quando criou-se o hábito de virem aos
sábados, sem telefonar – e de vez em quando isso me irritava, pensando que se quisesse sair para, por
exemplo, passear pelo parque ou tomar uma dessas lanchas de turismo que fazem excursões pelas
ilhas, não poderia porque eles bateriam com as caras na porta fechada e ficariam ofendidos (eles eram
sensíveis) e talvez não voltassem nunca mais. E como, aos sábados, eu jamais faria coisas como ir ao
parque ou andar nessas tais lanchas que fazem excursões pelas ilhas, era obrigado a esperá-los,
trancado em casa. Certamente os odiava um pouco enquanto não chegavam: um ódio de ter meus
sábados totalmente dependentes deles, que não eram eu, e que não viveriam a minha vida por mim –
embora eu nunca tivesse conseguido aprender como se vive aos sábados, se é que existe uma maneira
específica de atravessá-los. [...] E afinal, chovesse ou fizesse sol, sagradamente lá estavam eles, aos sábados. Naturalmente
chovesse-ou-fizesse-sol é apenas isso que se convencionou chamar força de expressão, já que há
muito tempo não fazia sol, talvez por ser agosto − mas de certa forma é sempre agosto nesta cidade,
principalmente aos sábados. Não é que fossem chatos. Na verdade, eu nunca soube que critérios de julgamento se pode usar
para julgar alguém definitivamente chato, irremediavelmente burro ou irrecuperavelmente
desinteressante. Sempre tive uma dificuldade absurda para arrumar prateleiras. Acontece que não
tínhamos nada em comum, não que isso tenha importância, mas nossas famílias não se conheciam,
então não podíamos falar sobre os meus pais ou os avós deles, sobre os meus tios ou os seus
sobrinhos ou qualquer outra dessas combinações genealógicas. Também não sabia que tipo de trabalho
faziam, se é que faziam alguma coisa, nem sequer se liam, se estudavam, iam ao cinema, assistiam à
televisão ou com que se ocupavam, enfim, além de me visitar aos sábados.
(Caio Fernando Abreu. Mel e girassóis, 1988. Adaptado.)
Gabarito comentado
Tema central: Esta questão avalia a interpretação de texto, especialmente o reconhecimento do sentido figurado nas chamadas forças de expressão, ou seja, uso não literal da linguagem.
Justificativa da alternativa correta (C):
O enunciado destaca que “chovesse ou fizesse sol” é “apenas isso que se convencionou chamar força de expressão”, explicitando ao leitor que a frase não deve ser entendida no seu sentido direto/palavras ao pé da letra, mas sim como uma expressão típica de língua portuguesa, com sentido figurado (aconteça o que acontecer, independentemente das circunstâncias).
Pela norma-padrão e conforme autores como Evanildo Bechara e Celso Cunha & Lindley Cintra, uma força de expressão é um recurso de linguagem que afasta as palavras do sentido literal, conferindo-lhes sentido figurado, expressivo ou idiomático.
Assim, o correto é:
C) literal. – O narrador informa que as palavras não devem ser tomadas no seu sentido literal, mas sim no sentido figurado.
Análise das alternativas incorretas:
- A) abstrato: Abstrato não é oposição direta de literal; o oposto aqui é entre literal e figurado.
- B) exagerado: O conceito de força de expressão não se refere necessariamente a exagero, mas à não literalidade.
- D) ofensivo: Não há nenhum elemento ofensivo nem no texto nem na expressão.
- E) irônico: O narrador não emprega ironia, e sim um recurso estilístico típico de expressões idiomáticas.
Estratégias para provas:
Fique atento a termos como “força de expressão”, “figura de linguagem” e “modo de dizer”. Eles usualmente indicam sentido não literal. Ao identificar expressões desse tipo, tente sempre paráfrase-las: a frase funciona como metáfora, hipérbole ou expressão idiomática? Busque o sentido global no contexto, como defende Rocha Lima na análise de textos literários.
Lembre-se: reconhecer figuras de linguagem é fundamental para evitar erros comuns em interpretação!
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