Com base no trecho da entrevista com o psicanalista
Christian Dunker, assinale a alternativa correta.
Texto 1
P: Assistimos nesta pandemia a segmentos da
sociedade que embarcaram num processo de
relativizar a gravidade da doença. Como a psicanálise
explica o negacionismo?
R: Poucas pessoas se dão conta de que a expressão
negacionismo vem da psicanálise. Freud tem um texto
clássico, chamado A negação, sobre a nossa atitude diante
de realidades que são mais dolorosas ou complexas do
que conseguimos aguentar. Essa é uma atitude muito
básica, muito simples, é o começo de muitas outras formas
de negação e foi descrita ali no início da psicanálise. (...) A
chegada do novo coronavírus pegou o Brasil em meio a
dois processos particulares: a divisão social discursiva e a
pauperização da vida econômica e dos direitos
trabalhistas. A retórica de campanha eleitoral, tornada
depois método de governo, baseada na produção contínua
de inimigos imaginários, foi impactada pela chegada de um
inimigo real, biológico e natural. (...) A pandemia não é
inimigo político, não é um inimigo intencional, é um fato
que vem da natureza, vem desse lugar terceiro, algo que
nos une. Mas num governo que adota esse método, não se
pode admitir que exista esse terceiro, algo que nos une,
porque esse terceiro destrói a retórica da produção
contínua de inimigos. Nada mais óbvio que isso gerasse a
resposta descrita por Freud como a negação. E por que o
negacionismo é importante como método deste governo?
Para criar os processos de transferência de autoridade
simbólica das instituições para a autoridade pessoal de
quem as desafia.
P: Em sua avaliação, qual é o impacto social desta
conduta no enfrentamento da COVID-19?
R: O negacionismo representou um prejuízo dramático
para o enfrentamento da COVID-19, custou a vida de
milhares de brasileiros, nos colocou no segundo lugar do
número de mortes no mundo (...). Nessa hora, para que
todos fizessem o sacrifício das restrições, seria esperado
que figuras de autoridade dissessem: vai ser muito difícil,
mas faço em nome de alguém. Mas, nessa hora
encontramos uma divisão na política sanitária, marcada por
uma hesitação e pela negação do consenso científico. (...)
P: Embora a educação formal seja, em princípio, um
elemento central para combater o negacionismo, há
também pessoas adultas e de alta escolaridade que
adotam alguns raciocínios simplificadores para o
enfrentamento da COVID-19. O negacionismo se
vincula a algum tipo de regressão intelectual?
R: Quando apresentei a ideia de negação, disse que ela
ocorre por algo doloroso ou algo que supera a nossa
capacidade de simbolização por ser excessivamente
complexo. Vamos encontrar a ideia de anomia em Émile
Durkheim, da impossibilidade de reconhecer uma
sociedade que se torna mais complicada do que os nossos
dispositivos de interpretação. O que ela desencadeia? A
regressão, as formas de pensamento regressivas.
Voltamos da instituição que representa a razão no seu
sentido impessoal para as instituições que representam a
razão no sentido pessoal: voltamos para a família. Como a
ideia de que a Terra é plana, entre várias outras, se infiltra
aí? Ao questionar verdades muito sólidas, muito
consensuais, você mostraria que a ciência não está dando
as respostas que gostaria para todas as perguntas que
você tem. (...) Ao conseguir dividir a autoridade simbólica, se produzem efeitos de reempoderamento da autoridade
política particular. (...)
(Adaptado de O negacionismo como arma de destruição durante a
pandemia. Entrevista com o psicanalista Christian Dunker. Estado de
Minas, 24/07/2020. Disponível em https://www.em.com.br. Acessado
em 05/11/2020.)
Texto 1
P: Assistimos nesta pandemia a segmentos da sociedade que embarcaram num processo de relativizar a gravidade da doença. Como a psicanálise explica o negacionismo?
R: Poucas pessoas se dão conta de que a expressão negacionismo vem da psicanálise. Freud tem um texto clássico, chamado A negação, sobre a nossa atitude diante de realidades que são mais dolorosas ou complexas do que conseguimos aguentar. Essa é uma atitude muito básica, muito simples, é o começo de muitas outras formas de negação e foi descrita ali no início da psicanálise. (...) A chegada do novo coronavírus pegou o Brasil em meio a dois processos particulares: a divisão social discursiva e a pauperização da vida econômica e dos direitos trabalhistas. A retórica de campanha eleitoral, tornada depois método de governo, baseada na produção contínua de inimigos imaginários, foi impactada pela chegada de um inimigo real, biológico e natural. (...) A pandemia não é inimigo político, não é um inimigo intencional, é um fato que vem da natureza, vem desse lugar terceiro, algo que nos une. Mas num governo que adota esse método, não se pode admitir que exista esse terceiro, algo que nos une, porque esse terceiro destrói a retórica da produção contínua de inimigos. Nada mais óbvio que isso gerasse a resposta descrita por Freud como a negação. E por que o negacionismo é importante como método deste governo? Para criar os processos de transferência de autoridade simbólica das instituições para a autoridade pessoal de quem as desafia.
P: Em sua avaliação, qual é o impacto social desta conduta no enfrentamento da COVID-19?
R: O negacionismo representou um prejuízo dramático para o enfrentamento da COVID-19, custou a vida de milhares de brasileiros, nos colocou no segundo lugar do número de mortes no mundo (...). Nessa hora, para que todos fizessem o sacrifício das restrições, seria esperado que figuras de autoridade dissessem: vai ser muito difícil, mas faço em nome de alguém. Mas, nessa hora encontramos uma divisão na política sanitária, marcada por uma hesitação e pela negação do consenso científico. (...)
P: Embora a educação formal seja, em princípio, um elemento central para combater o negacionismo, há também pessoas adultas e de alta escolaridade que adotam alguns raciocínios simplificadores para o enfrentamento da COVID-19. O negacionismo se vincula a algum tipo de regressão intelectual?
R: Quando apresentei a ideia de negação, disse que ela ocorre por algo doloroso ou algo que supera a nossa capacidade de simbolização por ser excessivamente complexo. Vamos encontrar a ideia de anomia em Émile Durkheim, da impossibilidade de reconhecer uma sociedade que se torna mais complicada do que os nossos dispositivos de interpretação. O que ela desencadeia? A regressão, as formas de pensamento regressivas. Voltamos da instituição que representa a razão no seu sentido impessoal para as instituições que representam a razão no sentido pessoal: voltamos para a família. Como a ideia de que a Terra é plana, entre várias outras, se infiltra aí? Ao questionar verdades muito sólidas, muito consensuais, você mostraria que a ciência não está dando as respostas que gostaria para todas as perguntas que você tem. (...) Ao conseguir dividir a autoridade simbólica, se produzem efeitos de reempoderamento da autoridade política particular. (...)
(Adaptado de O negacionismo como arma de destruição durante a
pandemia. Entrevista com o psicanalista Christian Dunker. Estado de
Minas, 24/07/2020. Disponível em https://www.em.com.br. Acessado
em 05/11/2020.)
Gabarito comentado
Análise da Questão – Interpretação de Texto
O tema central abordado é interpretação de textos, exigindo que o candidato compreenda os argumentos apresentados na entrevista, identificando a relação entre o discurso político, o negacionismo e sua profundidade psicanalítica e social.
Segundo a norma-padrão e a orientação das gramáticas de referência (Cunha & Cintra, Bechara), interpretar um texto vai além da leitura superficial: implica captar ideias principais, relações de causa e consequência, e intenções do autor, distinguindo o que está explícito e o que é implícito.
Alternativa correta: B
A opção B mostra domínio da relação central do texto: a pandemia, como “inimigo real”, inviabiliza a retórica da política baseada em inimigos imaginários. O negacionismo surge como instrumento de proteção desse discurso, promovendo a transferência de autoridade das instituições para o indivíduo. Isso é explicitamente tratado na fala do entrevistado (“a pandemia não é inimigo político... esse terceiro destrói a retórica... o negacionismo é importante para transferir autoridade simbólica para quem desafia as instituições”).
Análise das alternativas incorretas:
A) Erra ao chamar o negacionismo de “patologia” com causas clínicas, algo não afirmado no texto. O entrevistado aborda processos psíquicos e sociais, mas não define negacionismo como doença.
C) Simplifica além do texto: não é dito que o negacionismo decorre apenas da incompreensão da ciência. O texto fala de excesso de complexidade e incapacidade de simbolização, o que é mais amplo do que simplesmente “não entender” a ciência.
D) Confunde: o autor não afirma que só a diferença de métodos entre política e ciência causou a ineficácia das ações sanitárias. Também, a afirmação de que o vírus foi feito “inimigo político” não está de acordo com a análise do texto – pelo contrário, a pandemia foi destacada como o “inimigo real”, oposto à retórica de “inimigos imaginários”.
Dicas de prova: Sempre destaque nexos causais, termos como “porque”, “para”, e elementos de oposição (ex: “mas”, “porém”). Fique atento às generalizações e a termos técnicos ou classificações que o texto não menciona claramente, pois são armadilhas frequentes em concursos.
Conclusão: Venceu quem soube localizar a tese principal e as consequências apresentadas, uma habilidade fundamental de leitura crítica!
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