Vão tirar o terminal do meu ônibus do centro da cidade, vão tirar do centro da cidade o meu
ônibus, vão me tirar do centro da cidade? Vão me dar passagem entre o tapume e a pista de corridas, entre o poço e a poça de lama,
ou não vão deixar mais que use as pernas e os pés por estarem definitivamente fora de moda?
Vão permitir que eu siga o meu itinerário de trabalho sobre a capota dos automóveis, saltando
de uma para a outra depois de treinado em academia de técnica pedestre, ou vão estatuir que
eu e mais nove concidadãos de bom físico carreguemos nas costas o automóvel, a fim de que
automóveis e nós possamos chegar ao destino, passando no que outrora se chamava de rua?
Vão dizer quantas pessoas podem sair de casa, a quantas horas, por quanto tempo, e por
onde será permitido caminhar, durante quantos minutos, para que as turmas seguintes não
sejam prejudicadas na regalia de ir e vir na cidade entupida?
Vão acabar com a cidade, todas as cidades, vão acabar com homem e a mulher também, vão
fazer o quê, depois que eles mesmos acabarem?
ANDRADE, C. D. De notícias & não notícias faz-se a crônica (1974). Rio de Janeiro: Record, 2007.
O texto de Drummond revela que, em meados da década de 1970, época em que foi escrito, já
havia, nas grandes cidades, muitos dos problemas com que nos deparamos atualmente. Essa
realidade pode ser comprovada pelos autoquestionamentos de um cidadão que
Gabarito comentado
Tema central: A questão trabalha interpretação de textos, especialmente a identificação da ideia principal de um texto literário, além da compreensão de informações implícitas e ironia.
Justificativa para a alternativa correta (A): O texto de Carlos Drummond de Andrade revela, por meio de questionamentos e frases irônicas, a preocupação do narrador com a superlotação das cidades e o excesso de automóveis que invadem as ruas, dificultando a mobilidade dos cidadãos. Ele ironiza as dificuldades de circulação (“vão tirar o terminal do meu ônibus...”, “vão me dar passagem entre o tapume e a pista de corridas...”), sugerindo um cenário caótico no trânsito e um espaço urbano cada vez mais hostil ao pedestre comum.
Segundo Celso Cunha & Lindley Cintra, para a correta interpretação textual é fundamental localizar o tema central e os elementos que, mesmo implícitos, guiam a compreensão global do texto. Neste caso, o foco está nos problemas urbanos já presentes naquela época, como a saturação das ruas com carros, o que afeta diretamente o direito de ir e vir da população urbana.
Análise das alternativas incorretas:
B) Incorreta. Apesar do texto abordar dificuldades, não há crítica direta à ineficácia do transporte público. O foco principal está na superlotação da cidade e nas ruas tomadas por automóveis, não no funcionamento do ônibus em si.
C) Incorreta. O texto não faz menção à preferência pelo transporte coletivo nem à superlotação de pedestres. Trata-se da dificuldade de circulação dos pedestres devido aos carros e à estrutura da cidade.
D) Incorreta. Aqui, há um desvio do real problema apresentado: o texto não trata da dificuldade de circular com automóvel, mas, sim, do impacto dos carros e da estrutura urbana sobre os cidadãos comuns (pedestres e usuários de transporte público).
Dica de prova: Nos enunciados que envolvem crítica social ou ironia, observe palavras-chave e construções hipotéticas. Busque a ideia central e desconfie de alternativas que “expandem demais” ou reduzem o foco do texto.
Resumo da regra: Segundo Evanildo Bechara, em questões de interpretação, é essencial identificar o núcleo temático e distinguir o que é expresso do que é sugerido.
Gabarito: A
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