Questão 50651606-cb
Prova:IF-PR 2018
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Mia Couto, escritor moçambicano, é um mestre das palavras. Nesse texto, ele aproxima a linguagem matemática das relações humanas e do cotidiano do personagem e, com isso:

Os infelizes cálculos da felicidade (fragmento),
                                                          Mia Couto.

    O homem da história é chamado Julio Novesfora. Noutras falas o mestre Novesfora. Homem bastante matemático, vivendo na quantidade exata, morando sempre no acertado lugar. O mundo, para ele, estava posto em equação de infinito grau. Qualquer situação lhe algebrava o pensamento. Integrais, derivadas, matrizes para tudo existia a devida fórmula. A maior parte das vezes mesmo ele nem incomodava os neurónios*:
    – É conta que se faz sem cabeça.
    Doseava o coração em aplicações regradas, reduzida a paixão ao seu equivalente numérico. Amores, mulheres, filhos: tudo isso era hipótese nula. O sentimento, dizia ele, não tem logaritmo. Por isso, nem se justifica a sua equação. Desde menino se abstivera de afetos. Do ponto de vista da álgebra, dizia, a ternura é um absurdo. Como o zero negativo. Vocês vejam, dizia ele aos alunos: a erva não se enerva, mesmo sabendo-se acabada em ruminagem de boi. E a cobra morde sem ódio. É só o justo praticar da dentadura injetável dela. Na natureza não se concebe sentimento. Assim, a vida prosseguia e Julio Novesfora era nela um aguarda-factos*. Certa vez, porém, o mestre se apaixonou por uma aluna, menina de incorreta idade. Toda a gente advertia: essa menina é mais que nova, não dá para si*.
    – Faça as contas mestre.
    Mas o mestre já perdera o cálculo. Desvalessem os razoáveis conselhos. Ainda mais grave: ele perdia o matemático tino. Já nem sabia o abecedário dos números. Seu pensamento perdia as limpezas da lógica. Dizia coisas sem pés. Parecia, naquele caso, se confirmar o lema: quanto mais sexo menos nexo. Agora, a razão vinha tarde de mais*. O mestre já tinha traçado a hipotenusa à menina. Em folgas e folguedos, Julio Novesfora se afastava dos rigores da geometria. O oito deitado é um infinito. E, assim, o professor ataratonto, relembrava:
– A paixão é o mundo a dividir por zero.

*grafia usada em Moçambique 

A
chama a atenção do leitor para o comportamento usual dos matemáticos que são frios, calculistas e nada sentimentais.
B
não se preocupa com a lógica do texto, como por exemplo em “estava posto em equação de infinito grau”, já que não existe grau infinito.
C
mostra que as estruturas linguísticas, as linguagens literária e matemática, utilizadas em conjunto, podem produzir sentido.
D
constrói um texto metafórico, distanciado da linguagem denotativa, sugerindo que as pessoas não deveriam ser tão “exatas” em suas vidas.

Gabarito comentado

J
João Lima Monitor do Qconcursos

Tema central da questão: Interpretação de texto literário, com foco em linguagem literária, sentido conotativo e metáfora. A questão avalia sua capacidade de perceber como a mistura de linguagens e figuras de linguagem constrói sentidos na narrativa.

Justificativa da alternativa correta (C):

No texto, Mia Couto aproxima termos matemáticos da vida emocional do personagem. Expressões como “reduzida a paixão ao seu equivalente numérico” e “A paixão é o mundo a dividir por zero” demonstram o uso de linguagem literária e matemática de modo inovador, criando imagens metafóricas. Segundo autores como Bechara, a linguagem literária permite romper limites do literal, trabalhando com sentidos figurados (Gramática Escolar da Língua Portuguesa). Assim, a alternativa C é a correta, pois destaca que o texto integra as duas linguagens para produzir sentido.

Análise das alternativas incorretas:

A) Ao afirmar que o texto chama atenção para a frieza dos matemáticos, comete um erro de interpretação. O texto não generaliza comportamentos, mas utiliza a Matemática como metáfora para tratar de sentimentos humanos.

B) Diz que Mia Couto não se preocupa com lógica. Isso é falso, pois o texto se vale da licença poética e da linguagem literária para criar imagens expressivas. A expressão “equação de infinito grau” é justamente uma metáfora, não um erro.

D) O texto usa linguagem metafórica, sim, mas não há conselho explícito para que as pessoas sejam menos “exatas”; essa é uma interpretação subjetiva e não fundamentada diretamente no texto.

Elementos essenciais e estratégias:

Observe sempre palavras e expressões-chave que indicam uso metafórico e mistura de estilos – nesse caso, palavras do campo da matemática associadas a sentimentos.

Dica de prova: quando a banca citar o uso de diferentes linguagens (matemática, científica, poética) e a criação de sentido, pense na função conotativa do texto. Atenção também às pegadinhas que apresentam interpretações muito literais ou subjetivas não sustentadas no fragmento!

Resumo: A alternativa C é a correta porque evidencia o uso criativo e metafórico da linguagem matemática em contexto literário, enriquecendo o texto e demonstrando a possibilidade de múltiplos sentidos.

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