Leia o seguinte conto extraído do livro Enquanto água, de Altair Martins.
Quase oceano quase vômito
Aquele rio não aceitaria assim tão fácil. Dominava um continente e um
pátio no oceano. E quando amanheceu completamente água, e nu, como se
nascendo, não houve quem não se espantasse. Era o primeiro dos tantos rios
que, sem explicação, voltavam à limpidez original. Eram rios tão puros que os
leitos podiam ser lidos.
Mas depois de uma semana em que dele se bebeu, através dele se olhou,
em cujas águas se liberaram pesca e banho, o rio sumiu. Foi o primeiro de
tantos outros que, sem explicação, amanheceram buraco, sob uma nuvem
inteira, pesada e negra.
E durante uma semana, também sem explicação, aquele foi o primeiro rio
a chover pneu, garrafa plástica, chinelo de dedo, sofá, cimento e ferro,
cadáveres de homens e de bichos, tijolos, papéis, urina e fezes. Separava-se,
primeiro ele, seguido de outros rios, do contato humano. E devolvia, de dentro
de si, um rio, quase oceano quase vômito, da matéria que não lhe pertencia.
(MARTINS, Altair. Enquanto água. Rio de Janeiro: Record, 2011, p. 105)
Com base na leitura do conto Quase oceano quase vômito, de Altair
Martins, considere as seguintes afirmações sobre o livro Enquanto água.
I. Quase oceano quase vômito aproxima-se de um poema em prosa, mas
não um poema derramado em lirismo, pois eis que há muita
contundência e sujeira nessa imagem do rio que se decide pela revolta
contra o jugo humano e que, insurgindo-se, cospe de volta sobre as
pessoas tudo que nele tentaram esconder ou aniquilar.
II. Em Enquanto água, Altair Martins reúne dezoito contos "líquidos", às
vezes turvos, às vezes transparentes. Para isso, ele dividiu em quatro
grupos: Chuva na cara, Depois da chuva, Garoa e Água com gás. Os
contos pertencentes ao terceiro grupo, Garoa, tratam de pessoas que
vivem a condição de desamparo.
III. A água é o ponto chave do livro de Altair Martins. Às vezes ela
aparece apenas como rio, mar ou chuva, mas muitas vezes como
metáfora de sentimentos humanos. O sentimento, implícito, no conto
Quase oceano quase vômito é o de harmonia do homem com a
natureza.
Está(ão) correta(s):
Aquele rio não aceitaria assim tão fácil. Dominava um continente e um pátio no oceano. E quando amanheceu completamente água, e nu, como se nascendo, não houve quem não se espantasse. Era o primeiro dos tantos rios que, sem explicação, voltavam à limpidez original. Eram rios tão puros que os leitos podiam ser lidos.
Gabarito comentado
Gabarito: A) apenas I.
Tema central: Interpretação de Texto — análise de metáforas, personificação, compreensão de implícitos e crítica ambiental.
O conto "Quase oceano quase vômito" apresenta uma prosa poética, na qual o rio é personificado e enredo gira em torno da degradação provocada pelo homem. O texto utiliza metáforas e figuras de linguagem para expressar a ideia central: o rio, antes limpo, é poluído pela ação humana, e, revoltado, "cospe" de volta ao homem tudo o que lhe foi jogado indevidamente.
Justificativa da alternativa correta:
A alternativa I acerta ao apontar a contundência e a “sujeira” presentes na imagem do rio, além de reconhecer a aproximação com um poema em prosa, mas sem exageros líricos. A revolta do rio contra o jugo humano e a devolução dos resíduos poluentes representam uma personificação (o rio age como humano) e uma metáfora crítica à poluição.
Segundo Celso Cunha & Lindley Cintra, metáfora é a transferência de sentido pela semelhança, e personificação, a atribuição de características humanas a seres inanimados (gramática de referência).
Análise das alternativas incorretas:
II – INCORRETA. Embora o livro seja dividido em partes, a descrição dos grupos e o conteúdo do terceiro grupo (“Garoa”) não possuem respaldo confirmável nas edições amplamente divulgadas da obra. Falta precisão sobre o tratamento do desamparo nas pessoas desse grupo.
III – INCORRETA. O sentimento central não é de harmonia entre homem e natureza, mas sim de conflito. O rio reage negativamente à ação humana, devolvendo de forma agressiva a poluição recebida, o que se opõe totalmente à ideia de equilíbrio ou harmonia. A resposta exige atenção à oposição entre o explícito no texto e o que está sugerido nas alternativas.
Estratégia para provas:
Leia criticamente enunciados que generalizam emoções ou omitem críticas. Fique atento a pegadinhas de sentido e a detalhes na caracterização de personagens/elementos do texto.
Resumo: A alternativa correta é A (apenas I), porque interpreta adequadamente a metáfora e a crítica ambiental do conto, evitando desvios de sentido presentes nas demais.
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