Uma nota pessoal do autor de O Ateneu, Raul Pompeia, registra que, na sua concepção, “a prosa
tem de ser eloquente, para ser artística, tal como os versos”. Essa concepção
I manifesta-se na composição do trecho de O Ateneu, aqui reproduzido;
II orienta igualmente a prosa machadiana de Quincas Borba;
III contraria o ideal estilístico do autor de São Bernardo, Graciliano Ramos.
Está correto o que se indica em
“Vais encontrar o mundo, disse-me meu pai, à porta do Ateneu. Coragem para a luta.”
Bastante experimentei depois a verdade deste aviso, que me despia, num gesto, das ilusões de criança
educada exoticamente na estufa de carinho que é o regime do amor doméstico; diferente do que se
encontra fora, tão diferente, que parece o poema dos cuidados maternos um artifício sentimental,
com a vantagem única de fazer mais sensível a criatura à impressão rude do primeiro ensinamento,
têmpera brusca da vitalidade na influência de um novo clima rigoroso. Lembramo-nos, entretanto,
com saudade hipócrita, dos felizes tempos; como se a mesma incerteza de hoje, sob outro aspecto,
não nos houvesse perseguido outrora, e não viesse de longe a enfiada das decepções que nos
ultrajam. Eufemismo, os felizes tempos, eufemismo apenas, igual aos outros que nos alimentam, a
saudade dos dias que correram como melhores. Bem considerando, a atualidade é a mesma em todas
as datas.
Raul Pompeia, O Ateneu.
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de texto, análise estilística e identificação de concepções literárias de prosa entre diferentes autores brasileiros.
O foco da questão está em interpretar as diferentes concepções de estilo e linguagem defendidas por Raul Pompeia, Machado de Assis e Graciliano Ramos, relacionando-as com o ideal de prosa eloquente e artística exposto por Pompeia no enunciado.
Justificativa da alternativa correta (C – I e III, somente):
I – Correta. O trecho reproduzido de O Ateneu revela um estilo rico em detalhes, expressivo, com musicalidade e ritmo próximo ao da poesia. Esta é justamente a característica preconizada por Pompeia: a prosa deve ser eloquente, quase poética, para ser considerada artística. O narrador faz uso de construções elaboradas, figuras de linguagem (como metáforas e eufemismos) e vocabulário sofisticado, recurso que evidencia eloquência. Segundo Evanildo Bechara (“Moderna Gramática Portuguesa”), o efeito artístico em prosa muitas vezes se manifesta pelo ritmo e escolha vocabular.
II – Incorreta. Machado de Assis, em Quincas Borba, não adota o mesmo ideal de eloquência poética. Sua escrita valoriza a ironia, a sutileza e a linguagem mais contida, objetiva nas impressões e análises psicológicas, sem buscar a expressividade típica da prosa de Pompeia. O Manual de Redação da Presidência da República também recomenda evitar o rebuscamento e privilégios da clareza, o que se aproxima mais do estilo de Machado, não do púlpito eloquente de Pompeia.
III – Correta. Graciliano Ramos, em São Bernardo, persegue um estilo seco, conciso, direto, sem ornamentos nem musicalidade. É o oposto da “prosa artística e eloquente” de Pompeia, como registram Celso Cunha & Lindley Cintra em sua obra: “O amadurecimento estilístico de Graciliano Ramos reflete uma busca pela essencialidade, pela precisão vocabular e pela economia expressiva”.
Análise das alternativas:
- A (I, somente): Incorreta. Desconsidera o acerto da afirmação III.
- B (II, somente): Incorreta. II está errada pelas razões acima.
- D (II e III, somente): Incorreta. II está errada.
- E (I, II e III): Incorreta. II está errada.
Estratégia de prova: Busque sempre compreender o posicionamento estilístico dos autores e observe com atenção palavras como “igualmente”, “contraria”, “apenas” e generalizações. Palavras como “somente” costumam restringir – atente para detalhes!
Portanto, gabarito correto: C) I e III, somente.
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