Já na frase de abertura das Memórias de um sargento de milícias – “Era no tempo do rei.” –, que
remete ao mesmo tempo à abertura-padrão dos contos da carochinha e ao período joanino da
história do Brasil, manifestam-se as duas modalidades do tempo presentes nessa obra: uma, de
caráter lendário e intemporal e, outra, de caráter histórico bem determinado.
O convívio dessas duas modalidades do tempo indica que, do ponto de vista dessa obra, a
história brasileira caracterizou-se pela conjunção de
Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se
mutuamente, chamava-se nesse tempo - O canto dos meirinhos -; e bem lhe assentava o nome,
porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de
não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos
meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um
dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a
demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os
extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis
combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais que se
chamava o processo.
Daí sua influência moral.
Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias.
Era no tempo do rei.
Uma das quatro esquinas que formam as ruas do Ouvidor e da Quitanda, cortando-se mutuamente, chamava-se nesse tempo - O canto dos meirinhos -; e bem lhe assentava o nome, porque era aí o lugar de encontro favorito de todos os indivíduos dessa classe (que gozava então de não pequena consideração). Os meirinhos de hoje não são mais do que a sombra caricata dos meirinhos do tempo do rei; esses eram gente temível e temida, respeitável e respeitada; formavam um dos extremos da formidável cadeia judiciária que envolvia todo o Rio de Janeiro no tempo em que a demanda era entre nós um elemento de vida: o extremo oposto eram os desembargadores. Ora, os extremos se tocam, e estes, tocando-se, fechavam o círculo dentro do qual se passavam os terríveis combates das citações, provarás, razões principais e finais, e todos esses trejeitos judiciais que se chamava o processo.
Daí sua influência moral.
Manuel Antônio de Almeida, Memórias de um sargento de milícias.
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de texto
A questão exige identificar, a partir dos elementos textuais, quais características da história do Brasil são evidenciadas pela convivência de dois tipos de tempo (lendário e histórico) na obra "Memórias de um Sargento de Milícias".
Justificativa da alternativa correta – A) mudança e imobilismo:
O texto destaca que a expressão de abertura "Era no tempo do rei." remete tanto a um período específico da história (tempo histórico) quanto ao tom fabular dos contos populares (tempo intemporal ou lendário). Assim, a obra dialoga simultaneamente com o passado histórico consolidado (imobilismo) e com a possibilidade de transformação ou de novos rumos (mudança). Essa sobreposição expressa a característica da sociedade brasileira: marcada por rápidas mudanças em certos aspectos, mas, por outro lado, por permanências e tradições que se impõem.
Segundo Antonio Candido, ao analisar o romance, essa dialética entre mudança e imobilismo permeia a formação social brasileira, o que se percebe no texto da questão. A correta leitura da dualidade proposta está, portanto, sintetizada em mudança e imobilismo.
Análise das alternativas incorretas:
B) realismo e alucinação: A obra adota um tom realista, porém “alucinação” não corresponde à segunda categoria temporal mencionada. Não há sugestão de alucinação ou fantasia no sentido psicológico.
C) religiosidade e materialismo: O texto não trata dessas oposições de valores, nem insinua conflitos religiosos ou materialistas.
D) liberdade e opressão: Ainda que se fale em cadeia judiciária e relações de poder, não se coloca a dualidade liberdade/opressão como eixo central da interpretação textual.
E) localismo e cosmopolitismo: O foco do excerto não está nessa contraposição; trata-se mais da forma como se percebem permanências/superações do passado.
Estratégia para questões semelhantes:
Observe sempre oposições sutis, dualidades e temas recorrentes destacados no texto. Títulos, frases iniciais e exemplos costumam indicar essas pistas.
Ao identificar termos abstratos (como “tempo lendário” x “tempo histórico”), priorize alternativas que traduzam a tensão entre permanência e transformação, conforme preconizado em gramáticas normativas (Bechara, Cunha & Cintra) e análises literárias (Antonio Candido).
Resumo final:
A alternativa correta é A) mudança e imobilismo, pois resume a convivência dos dois tempos presentes na narrativa e sua reflexão sobre a sociedade brasileira.
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