Questão 4994bf2d-ca
Prova:UESB 2017
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

TEXTO:

Auto da Barca do Inferno

(Aproxima-se um corregedor com uma vara na mão

e diz chegando à Barca do Inferno:)

Corregedor – Hou da barca?

Diabo – Que quereis?

Corregedor – Está aqui o senhor juiz.

Diabo – Oh amador de perdiz* / quantos processos

trazeis?

Corregedor – Por trazê-los, bem vereis, / venho muito

contrafeito.

Diabo – Como anda lá o Direito?

Corregedor – Nos autos constatareis.

Diabo – Ora, pois, entrai, vejamos / o que dizem tais

Corregedor – Para onde vai o batel?

Diabo – No inferno nós ancoramos.

Corregedor – Como? À terra dos demônios / há de ir um

corregedor? [...]

Diabo – Ora, entrai nos negros fados. / Ireis ao lago dos

cães / e vereis os escrivães / como estão bem

prosperados.

Corregedor – Vão à terra dos danados / os novos

evangelistas?

Diabo – Os mestres das fraudes vistas / lá estão bem

atormentados [...]

*“amador de perdiz” – referência ao fato de os juízes aceitarem,

como agrado, a doação de coelhos e perdizes.

VICENTE, GIL. Três autos: da alma; da barca do inferno; de Mofina Mendes. Livre adaptação de Walmir Ayala. Rio de Janeiro: Ediouro; São Paulo: Publifolha, 1997. p. 145 -153.


Sobre o trecho da cena transcrito e a obra de onde foi extraído, é correto afirmar:

I. A cena se inicia com a chegada do corregedor, que é representante do judiciário, à Barca do Inferno, quando o Diabo lhe dirige a primeira acusação: a de corrupção, por manipular a justiça em benefício próprio, com a aceitação de suborno sob a forma de presentes ou doações.

II. Na obra, através de farta argumentação e de provas forjadas, o corregedor consegue convencer o Diabo e o Anjo de sua inocência. Por isso, após ser perdoado, aceita o pedido de desculpas de ambos e se encaminha para a Barca do Paraíso, onde é recebido com muitos festejos e intensa louvação.

III. Na obra, o autor, para relativizar os conceitos de bem e mal, de certo e errado, evitando uma perspectiva maniqueísta, coloca circunstâncias em que o Anjo e o Diabo trocam de papéis e passam a dirigir, respectivamente, a Barca do Inferno e a Barca da Glória. Com isso, o julgamento se torna mais preciso e a punição mais justa.

IV. O cenário da obra é um porto onde se encontram ancoradas duas barcas: uma, guiada pelo Diabo, tem como destino o inferno; outra, guiada por um Anjo, leva ao paraíso. Nelas são acomodadas as pessoas que se aproximam e que já morreram, selecionadas pelo Diabo ou pelo Anjo, segundo sua conduta quando estavam vivas.

V. A obra é uma sátira social e moral, pois veicula criticas aos costumes impróprios ou pecados de figuras poderosas da época, que são julgadas e punidas com a condenação ao inferno. Trata-se de uma temática que, embora contextualizada no século XVI, em Portugal, guarda certa atualidade e pertinência com questões contemporâneas.

A alternativa em que todas as afirmativas indicadas estão corretas é a

A
I e III.
B
II e IV.
C
I e V.
D
I, IV e V.
E
II, III, e V.

Gabarito comentado

J
Jonas Barreto Monitor do Qconcursos

Gabarito: D) I, IV e V

Tema central: Interpretação de texto, explorando análise de personagens, contexto da obra e a habilidade de distinguir informações corretas e incorretas. Esse é um tipo clássico em vestibulares e concursos, exigindo leitura atenta e domínio dos sentidos presentes e subentendidos no texto.

Justificativa da alternativa correta:

O candidato deve reconhecer no texto e na obra “Auto da Barca do Inferno” elementos satíricos sobre a justiça e a moralidade. Veja a análise das afirmativas:

I. Correta. O corregedor é acusado de corrupção, conforme a tirada do "amador de perdiz" (referência a subornos) e sua recepção na barca do Inferno. A sátira social é evidente.

IV. Correta. O cenário é um porto, com duas barcas: uma conduzida pelo Diabo (Inferno), outra pelo Anjo (Paraíso). A entrada nas barcas depende das ações em vida, claramente explicitado por Gil Vicente.

V. Correta. A obra critica comportamentos de figuras poderosas, o que é uma característica essencial da sátira vicentina. O tema é transportável à atualidade.

Análise das alternativas incorretas:

II. Incorreta. Não há momento na obra em que o corregedor é absolvido ou recebido com louvores na Barca do Paraíso. Pelo contrário, ele é condenado.

III. Incorreta. A obra não relativiza os papéis de bem e mal. O Diabo permanece sendo responsável pela Barca do Inferno, e o Anjo, pela Barca da Glória. Não ocorre inversão de funções, mantendo-se a crítica maniqueísta tradicional.

Dicas de interpretação:
Fique atento a generalizações e negações nas alternativas. Afirmações absolutas, como "há troca de papéis entre Anjo e Diabo" (III), ou o perdão no Paraíso (II), são facilmente eliminadas por quem conhece o enredo ou lê com atenção.

Dica do professor: Antes de marcar, relacione cada afirmação à ideia central do texto-base e ao contexto da obra. O raciocínio lógico, aliado a referências dos principais gramáticos (Bechara; Cunha & Cintra), fundamenta e fortalece sua argumentação interpretativa.

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