Grafite e pichação são formas de arte?
[...] O problema do reconhecimento da arte
reapareceu como um tema de interesse social
nessas primeiras semanas de 2017, pela ação da
prefeitura de São Paulo, que substituiu os grafites
de algumas das principais avenidas da cidade pela
pintura uniforme dos muros com uma tinta cinza,
insossa e burocrática. Como a muitos que
admiravam os grafites que a prefeitura apagou, a
ação do governo Doria me pareceu equivocada.
Ao julgá-la de um ponto de vista puramente
estético, ou melhor, a partir do que o gosto e a
experiência visual me dizem, é evidente que a
“limpeza” dos muros onde havia grafites resultou
em um empobrecimento da paisagem urbana
paulistana.
A mesma coisa não poderia ser dita, porém, sobre
a retirada de pichações, contra as quais João
Doria mantém um discurso mais incisivo. Sem um
critério estético para ser aplicado, já que os
próprios pichadores o dispensam, a avaliação da
pichação tem uma natureza distinta da que
fazemos do grafite. Por mais que os dois
fenômenos se cruzem em intrincadas relações
entre os seus criadores, o Estado e terceiros (os
proprietários de muros privados, por exemplo),
podemos distingui-los em função dos seus valores estéticos e da maneira como se apresentam aos
receptores.
Um bom ponto de partida é a observação de que
nós gostamos, ou não, dos grafites. Das
pichações, porém, nós não podemos “gostar”
nem “não gostar”, basicamente porque elas não
se propõem a ser um objeto do gosto. Essa
distinção em relação à experiência suscitada pelo
grafite e pelas pichações poderia balizar uma
teoria estética da chamada street art, se a
tendência dos filósofos profissionais da área não
fosse desconsiderá-la. O segundo passo a ser
observado tem justamente a ver com isso. Se não
podemos “gostar” das pichações, por que elas
encontram defensores inclusive entre pessoas
que admitem as diferenças sensíveis que a
separam do grafite?
A resposta a essa pergunta sugere o espírito
ultrapolitizado de uma parcela muito grande da
arte contemporânea. Quando alguém aprova uma
pichação, o que geralmente ocorre não é a
emissão de um juízo de gosto, mas sim a
declaração de um apoio ideológico. Esse apoio
costuma ser vago e não ter fundamento empírico.
É como se aprovar a pichação significasse “estar
do lado” dos oprimidos, do povo ou dos
marginalizados. O que nunca se coloca em
questão, porém, é se tais entidades abstratas e
totalizantes (os oprimidos, o povo, os
marginalizados…) realmente se reconhecem e se
veem expressadas na ação dos pichadores. Será
mesmo que a pichação é um fenômeno que
representa grupos sociais em desvantagem na
sociedade? Será que os pichadores representam
algum grupo social além deles mesmos?
Trecho extraído de Oliveira, R. C. “Grafite e pichação são formas de arte?” In: O
Estado de São Paulo. 3 de fevereiro de 2017.
Assinale a alternativa que apresenta apenas ideias
contidas no excerto apresentado.
Grafite e pichação são formas de arte?
[...] O problema do reconhecimento da arte reapareceu como um tema de interesse social nessas primeiras semanas de 2017, pela ação da prefeitura de São Paulo, que substituiu os grafites de algumas das principais avenidas da cidade pela pintura uniforme dos muros com uma tinta cinza, insossa e burocrática. Como a muitos que admiravam os grafites que a prefeitura apagou, a ação do governo Doria me pareceu equivocada. Ao julgá-la de um ponto de vista puramente estético, ou melhor, a partir do que o gosto e a experiência visual me dizem, é evidente que a “limpeza” dos muros onde havia grafites resultou em um empobrecimento da paisagem urbana paulistana.
A mesma coisa não poderia ser dita, porém, sobre a retirada de pichações, contra as quais João Doria mantém um discurso mais incisivo. Sem um critério estético para ser aplicado, já que os próprios pichadores o dispensam, a avaliação da pichação tem uma natureza distinta da que fazemos do grafite. Por mais que os dois fenômenos se cruzem em intrincadas relações entre os seus criadores, o Estado e terceiros (os proprietários de muros privados, por exemplo), podemos distingui-los em função dos seus valores estéticos e da maneira como se apresentam aos receptores.
Um bom ponto de partida é a observação de que nós gostamos, ou não, dos grafites. Das pichações, porém, nós não podemos “gostar” nem “não gostar”, basicamente porque elas não se propõem a ser um objeto do gosto. Essa distinção em relação à experiência suscitada pelo grafite e pelas pichações poderia balizar uma teoria estética da chamada street art, se a tendência dos filósofos profissionais da área não fosse desconsiderá-la. O segundo passo a ser observado tem justamente a ver com isso. Se não podemos “gostar” das pichações, por que elas encontram defensores inclusive entre pessoas que admitem as diferenças sensíveis que a separam do grafite?
A resposta a essa pergunta sugere o espírito ultrapolitizado de uma parcela muito grande da arte contemporânea. Quando alguém aprova uma pichação, o que geralmente ocorre não é a emissão de um juízo de gosto, mas sim a declaração de um apoio ideológico. Esse apoio costuma ser vago e não ter fundamento empírico. É como se aprovar a pichação significasse “estar do lado” dos oprimidos, do povo ou dos marginalizados. O que nunca se coloca em questão, porém, é se tais entidades abstratas e totalizantes (os oprimidos, o povo, os marginalizados…) realmente se reconhecem e se veem expressadas na ação dos pichadores. Será mesmo que a pichação é um fenômeno que representa grupos sociais em desvantagem na sociedade? Será que os pichadores representam algum grupo social além deles mesmos?
Trecho extraído de Oliveira, R. C. “Grafite e pichação são formas de arte?” In: O Estado de São Paulo. 3 de fevereiro de 2017.
Assinale a alternativa que apresenta apenas ideias
contidas no excerto apresentado.