Questão 456fd5b2-dd
Prova:UFGD 2017
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Leia o seguinte trecho do conto A hora e a vez de Augusto Matraga, de Guimarães Rosa. 


[...] E aí o jumento andou, e Nhô Augusto ainda deu um eco, para o cerrado ouvir:

– “Qualquer paixão me adiverte...” Oh coisa boa a gente andar solto, sem obrigação nenhuma e bem com Deus!...

E quando o jegue empacava – porque, como todo jumento, ele era terrível de queixo-duro, e tanto tinha de orelhas quanto de preconceitos, – Nhô Augusto ficava em cima, mui concorde, rezando o terço, até que o jerico se decidisse a caminhar outra vez. E também, nas encruzilhadas, deixava que o bendito asno escolhesse o caminho, bulindo com as conchas dos ouvidos e ornejando. E bastava batesse no campo o pio de uma perdiz magoada, ou viesse do mato a lália lamúria dos tucanos, para o jumento mudar de rota, perdendo à esquerda ou se empescoçando para a direita; e, por via de um gavião casaco-de-couro cruzar-lhe à frente, já ele estacava, em concentrado prazo de irresolução. ROSA, João Guimarães. A hora e a vez de Augusto Matraga. In:___. Sagarana. Nova Fronteira: Rio de Janeiro, 38 ed, 1984. p. 378.


O conto A hora e a vez de Augusto Matraga está localizado no espaço preferido do autor Guimarães Rosa: o sertão do norte de Minas Gerais (mas há também paisagens do sul da Bahia). O espaço favorece a construção de personagens bem típicos como jagunços, peões e fazendeiros. Tanto a psique quanto a linguagem das pessoas desse lugar aparecem matizadas pelas pressões e necessidades desse ambiente. A obra, porém, não se submete ao determinismo simplista que se limita a procurar ecos da realidade social, econômica e política na configuração ideológica dos personagens. A respeito desse conto, assinale a alternativa correta.

A
Como filho do Coronel Afonsão Esteves, das Pindaíbas e do saco-do-embira, Nhô Augusto tomou para si a tarefa de recuperar a honra do pai, que se colocara na “política do lado que perde”, as “terras no desmando, as fazendas escritas por paga”.
B
Esse fragmento de texto é uma metonímia da psique do protagonista. O pensamento leve que o toma nesse instante é revelador da personalidade do menino que ainda é temente a Deus, pautando suas atitudes pelo respeito às regras cristãs mesmo depois de adulto.
C
O coloquialismo da linguagem de Guimarães Rosa, presente na frase “Qualquer paixão me adiverte...” metaforiza a serenidade e a humildade de patrão, que, embora tenha sido educado em escolas da capital, prefere o convívio e a linguagem dos peões que administra, donde também deriva o motivo de seu nome de batismo: Augusto.
D
A trajetória de desafios enfrentados para alcançar a santidade, tão bem explorados no conto, é coroada pela violenta morte que sucede a batalha contra Joãozinho Bem-Bem.
E
No sertão mítico de Guimarães Rosa, os animais são sagrados, possuem poderes mágicos e alguns têm a capacidade de prever o futuro. Tal é o caso desse fragmento de texto tirado dos primeiros momentos da narrativa, quando Augusto Matraga concede ao jegue o poder de decidir o destino do protagonista.

Gabarito comentado

E
Ezequiel FragosoMentor Qconcursos

Tema central: A questão aborda interpretação de texto literário, exigindo do candidato compreensão do enredo, do simbolismo e da construção do protagonista em “A hora e a vez de Augusto Matraga”, de Guimarães Rosa. O foco está na trajetória de redenção do personagem principal, elemento central na análise literária do conto.

Justificativa da alternativa correta (D):

A alternativa D está correta porque sintetiza com precisão o desfecho do conto: Augusto Matraga enfrenta desafios existenciais e físicos para buscar a “santidade”. Sua trajetória de sofrimento, aprendizado e mudança interior culmina na morte violenta após uma batalha com Joãozinho Bem-Bem. Por mais dura que seja a morte, ela simboliza sua “hora e vez”, ou seja, seu momento derradeiro de redenção e realização espiritual. Essa “coronada pela violenta morte” representa, literariamente, o auge do seu processo de transformação interior, muito abordado pela crítica (ver Bechara, Cunha & Cintra), reforçando a interpretação correta do texto.

Análise das alternativas incorretas:

A) Incorreta. O enredo não trata da busca de Augusto para recuperar a honra do pai, tampouco o envolve diretamente com política ou terras perdidas — elementos alheios ao núcleo do conto.

B) Incorreta. O texto não sugere que o protagonista mantém, desde menino, uma fidelidade às regras cristãs. Ao contrário, a narrativa mostra uma evolução espiritual a partir de uma vivência desregrada, marcada por violência e egoísmo.

C) Incorreta. Não há referência à origem do nome de Augusto nem ligação com educação em escolas da capital. “Qualquer paixão me adiverte...” não é expressão de linguagem corriqueira dos peões, nem representa exatamente coloquialismo.

E) Incorreta. Embora os animais tenham relevância simbólica em Guimarães Rosa, não possuem poderes mágicos ou premonitórios na narrativa. Permitir ao jegue escolher caminhos é mais um gesto de rendição do personagem do que qualquer conferência de poderes mágicos ao animal.

Dicas para provas: Busque sempre relacionar os traços do personagem aos marcos principais da narrativa e desconfie de alternativas que extrapolam ou distorcem informações do texto original.

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