Questão 456c548d-dd
Prova:UFGD 2017
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Leia os trechos a seguir retirados do romance Cem anos de solidão (1967), de Gabriel Garcia Marques, e assinale a alternativa correta.


TRECHO 1

Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo.


TRECHO 2

[...] apesar de todo mundo considerá-lo louco, José Arcadio Segundo era naquele tempo o habitante mais lúcido da casa. Ensinou o pequeno Aureliano a ler e a escrever, iniciou-o no estudo dos pergaminhos e incutiu-lhe uma interpretação tão pessoal do que significou para Macondo a companhia bananeira que muitos anos depois, quando Aureliano se incorporasse ao mundo, haveria de se pensar que contava uma versão alucinada, porque era radicalmente contrária à falsa que os historiadores tinham admitido e consagrado nos textos escolares.


TRECHO 3

Muitos anos depois, esse menino haveria de continuar contando, sem que ninguém acreditasse, que tinha visto o tenente lendo com um megafone de vitrola o decreto Número 4 do Chefe Civil e Militar da província, assinado pelo General Carlos Cortes Vargas e pelo seu secretário, o Major Henrique García Isaza, que em três artigos de oitenta palavras classificava os grevistas de quadrilha de malfeitores e facultava ao exército o direito de matá-los a bala.

A
A expressão “muitos anos depois”, recorrente nos trechos, é também recorrente na narrativa; por ela o leitor sabe sobre a posição restrita dos muitos narradores do romance em relação ao seu conhecimento do passado, do presente e do futuro da história contada, além disso, pela expressão, evidencia-se a incapacidade desses narradores de acessarem ações, pensamentos e sentimentos dos personagens nos vários tempos mencionados.
B
A tensão entre os protagonistas do romance e seus inimigos, tensão presente em dois dos trechos, é recorrente em toda narrativa; a violência decorrente dessa tensão é abordada de modo onisciente pelo narrador, que dialoga criticamente com a história oficial, a qual é representada, no romance, como expressão do poder sociopolítico-econômico, imperialista, conservador e antipopular colombiano.
C
O conflito entre a versão familiar e a versão oficial dos fatos é recorrente nos trechos e na narrativa; esta atravessa em detalhes a vida das gerações de uma única família colombiana, proporciona aos membros dessa família o direito de narrar suas próprias vivências, em primeira pessoa, explicitando a violenta história oficial, imperialista, conservadora e antipopular colombiana, que invariavelmente os oprime.
D
A tensão entre sanidade mental e loucura, presente num dos trechos, é recorrente em toda narrativa; esta é construída por um narrador onisciente, que transita pelos diversos tempos, narrador que, contudo, prefere manter silêncio sobre as mentiras da história oficial colombiana, inscrita nos livros escolares, a qual tenta se impor, via narrador, como a única versão racional e sadia da realidade do país.
E
O contraste entre passado e presente, recorrente nos três trechos, é recorrente também na narrativa; esta procura apresentar, de modo isento, as diversas versões da história oficial colombiana, sob a ótica narrativa e comprometida de diversos membros de uma única família de classe alta, ao longo de uma cronologia linear, sem idas e vindas, cujo resultado é atenuar o contraste entre as várias versões.

Gabarito comentado

M
Marina Pacheco Monitor do Qconcursos

Tema central: Interpretação de texto e análise literária aplicada, exigindo leitura atenta, comparação de versões e compreensão do narrador e seus recursos linguísticos.

Justificativa para a alternativa correta – LETRA B:

O foco está na tensão entre personagens e poderes dominantes, recorrente em Cem Anos de Solidão, e na maneira como o narrador expõe eventos violentos (como o massacre mencionado no trecho 3) por meio de uma narrativa onisciente. Essa abordagem permite incluir percepções críticas sobre a história oficial colombiana, vista como opressora e manipuladora, alinhando-se ao conceito de “história oficial” repassada por tradições conservadoras, imperialistas e antipopulares. Segundo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), o narrador onisciente transita por múltiplos pontos de vista, inclusive os ideológicos.

A alternativa B está correta porque evidencia esses conflitos e o papel do narrador em dialogar criticamente com a história oficial, realçando a dualidade entre opressão e resistência e a posição abrangente e informada do narrador.

Análise das alternativas incorretas:

A) Erra ao afirmar que os narradores têm posição restrita – é o inverso: o narrador é onisciente, acessando ações e sentimentos dos personagens, conforme ensina Celso Cunha (Gramática do Português Contemporâneo).

C) Afirma incorretamente que a narrativa é em primeira pessoa. O romance é narrado por voz onisciente, não por membros da família.

D) Equivoca-se ao dizer que o narrador “mantém silêncio” sobre as mentiras da história oficial. O narrador evidencia e critica explicitamente essas distorções.

E) Incorre ao afirmar que há cronologia linear e visão isenta. O romance é marcado por múltiplos tempos, circularidade e forte posicionamento crítico.

Dica para provas: Atenção à função do narrador: se há conhecimento acima dos personagens (onisciência), leitura crítica de fatos históricos e múltiplos pontos de vista, procure por descrições que não se limitem ao apenas expor, mas que problematicam a narrativa oficial.

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