Questão 42982d4f-f7
Prova:UNEMAT 2015
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

T EXTO  I

A menina de lá


    Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. - “Ninguém entende muita coisa que ela fala ...” - dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só raro ela perguntava, por exemplo: -“Ele xurugou?” - e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: -“Tatu não vê a lua ...”- ela falasse.Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.

[...]

    Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. -“A gente não vê quando o vento se acaba ...”Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: -“Alturas de urubuir ...”Não, dissera só: - “altura de urubu não ir”. O Dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: -“Jabuticaba de vem-me-ver ...”Suspirava, depois: - “Eu quero ir pra lá”. - Aonde? -“Não sei”. Aí observou: -“O passarinho desapareceu de cantar ...”


(ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001)


TEXTO II


[...]

    A gente não gostava de explicar como imagens porque explicar afasta como falas da imaginação. 

A gente gostava dos sentidos desarticulados como a conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de mosca.

Certas visões não significavam nada, mas eram passeios verbais.

A gente sempre queria dar brazão às borboletas.

A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais.

Quando o menino disse que queria passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram.

A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste.

A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala.

Esses meninos faziam parte do arrebol como os passarinhos.


(BARROS, Manoel de. Menino do mato . Leya: São Paulo, 2010)


Observando-se os textos, percebendo-se o uso diferenciado da linguagem verbal, que se deve ao fato de que: 

A
ambos os autores não vinculam a criatividade artística com a normatividade das regras da escrita, porque desconhecem a variante padrão da língua.
B
há predominância da visão de mundo e da informalidade características do ser interiorano no uso da linguagem.
C
ambos os autores são oriundos da mesma região do país e, portanto, o uso diferenciado pode ser entendido como expressão de um traço cultural.
D
todo texto literário tem o intuito de “perturbar os sentidos normais da fala”, atuando sempre como elemento contestador de normas e modelos preestabelecidos para o uso da linguagem.
E
ambos usam como recurso criativo a perspectiva do universo infantil que, nesse caso, representa uma maior liberdade no uso da linguagem como elemento mais lúdico e menos comunicativo e informativo.

Gabarito comentado

M
Mentor QCTime de mentores Qconcursos

Tema central: Interpretação de Texto – Uso criativo da linguagem pela ótica infantil.

Nas duas passagens, de Guimarães Rosa e Manoel de Barros, o traço marcante é a manipulação da linguagem para refletir a visão lúdica e criativa do universo infantil. A proposta exige do candidato perceber além da literalidade: interpretar a intenção da escolha estilística dos autores.

Justificativa para a alternativa correta (E):

A alternativa E está correta porque identifica que, em ambos os textos, a liberdade e a imaginação presentes derivam do olhar da criança. Há um distanciamento propositado das normas rígidas da gramática, promovendo uma linguagem mais lúdica, inventiva e menos comprometida com o sentido estritamente informativo. Isso é claro, por exemplo, em frases como “O ar estava com cheiro de lembrança” e “A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala”.

Como ressaltam Celso Cunha & Lindley Cintra (Nova Gramática do Português Contemporâneo), a literatura pode subverter regras gramaticais em busca de efeito expressivo, sem desconsiderá-las. A visão de Marisa Lajolo & Regina Zilberman também reforça que a linguagem infantil literária é liberdade, experimentação e criatividade.

Análise das alternativas incorretas:

A) Errada – Os autores conhecem a norma padrão e a subvertem deliberadamente por recurso artístico, não por desconhecimento.

B) Errada – A “informalidade” é resultado da ótica infantil e não do ser interiorano em si. O foco é o universo da criança.

C) Errada – A origem regional dos autores pode influenciar, mas neste caso, o efeito alcançado decorre do olhar infantil, não de traço cultural.

D) Errada – Nem todo texto literário tem como função contestar normas. Essa visão é generalizadora, não se sustentando à luz dos exemplos e da própria literatura segundo Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa).

Estratégia para provas: Observe sempre se a linguagem diferenciada decorre do ponto de vista do narrador/personagem (como infância, regionalismo, oralidade etc.) ou de busca de efeitos expressivos específicos.

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