T EXTO I
A menina de lá
Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. - “Ninguém entende muita coisa que ela fala ...” - dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só raro ela perguntava, por exemplo: -“Ele xurugou?” - e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: -“Tatu não vê a lua ...”- ela falasse.Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.
[...]
Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. -“A gente não vê quando o vento se acaba ...”Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: -“Alturas de urubuir ...”Não, dissera só: - “altura de urubu não ir”. O Dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: -“Jabuticaba de vem-me-ver ...”Suspirava, depois: - “Eu quero ir pra lá”. - Aonde? -“Não sei”. Aí observou: -“O passarinho desapareceu de cantar ...”
(ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001)
TEXTO II
[...]
A gente não gostava de explicar como imagens porque explicar afasta como falas da imaginação.
A gente gostava dos sentidos desarticulados como a conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de mosca.
Certas visões não significavam nada, mas eram passeios verbais.
A gente sempre queria dar brazão às borboletas.
A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais.
Quando o menino disse que queria passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram.
A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste.
A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala.
Esses meninos faziam parte do arrebol como os passarinhos.
(BARROS, Manoel de. Menino do mato . Leya: São Paulo, 2010)
Observando-se os textos, percebendo-se o uso diferenciado da linguagem verbal, que se deve ao fato de que:
T EXTO I
A menina de lá
Não que parecesse olhar ou enxergar de propósito. Parava quieta, não queria bruxas de pano, brinquedo nenhum, sempre sentadinha onde se achasse, pouco se mexia. - “Ninguém entende muita coisa que ela fala ...” - dizia o Pai, com certo espanto. Menos pela estranhez das palavras, pois só raro ela perguntava, por exemplo: -“Ele xurugou?” - e, vai ver, quem e o quê, jamais se saberia. Mas, pelo esquisito do juízo ou enfeitado do sentido. Com riso imprevisto: -“Tatu não vê a lua ...”- ela falasse.Ou referia estórias, absurdas, vagas, tudo muito curto: da abelha que se voou para uma nuvem; de uma porção de meninas e meninos sentados a uma mesa de doces, comprida, comprida, por tempo que nem se acabava; ou da precisão de se fazer lista das coisas todas que no dia por dia a gente vem perdendo. Só a pura vida.
[...]
Dizia que o ar estava com cheiro de lembrança. -“A gente não vê quando o vento se acaba ...”Estava no quintal, vestidinha de amarelo. O que falava, às vezes era comum, a gente é que ouvia exagerado: -“Alturas de urubuir ...”Não, dissera só: - “altura de urubu não ir”. O Dedinho chegava quase no céu. Lembrou-se de: -“Jabuticaba de vem-me-ver ...”Suspirava, depois: - “Eu quero ir pra lá”. - Aonde? -“Não sei”. Aí observou: -“O passarinho desapareceu de cantar ...”
(ROSA, João Guimarães. Primeiras estórias . Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001)
TEXTO II
[...]
A gente não gostava de explicar como imagens porque explicar afasta como falas da imaginação.
A gente gostava dos sentidos desarticulados como a conversa dos passarinhos no chão a comer pedaços de mosca.
Certas visões não significavam nada, mas eram passeios verbais.
A gente sempre queria dar brazão às borboletas.
A gente gostava bem das vadiações com as palavras do que das prisões gramaticais.
Quando o menino disse que queria passar para as palavras suas peraltagens até os caracóis apoiaram.
A gente se encostava na tarde como se a tarde fosse um poste.
A gente gostava das palavras quando elas perturbavam os sentidos normais da fala.
Esses meninos faziam parte do arrebol como os passarinhos.
(BARROS, Manoel de. Menino do mato . Leya: São Paulo, 2010)
Observando-se os textos, percebendo-se o uso diferenciado da linguagem verbal, que se deve ao fato de que: