Questão 40f5c91d-b2
Prova:UFU-MG 2016
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Figuras de Linguagem

       Havia em Recife inúmeras ruas, as ruas dos ricos, ladeadas por palacetes que ficavam no centro de grandes jardins. Eu e uma amiguinha brincávamos muito de decidir a quem pertenciam os palacetes. “Aquele branco é meu. ” “Não, eu já disse que os brancos são meus. ” “Mas esse não é totalmente branco, tem janelas verdes. ” Parávamos às vezes longo tempo, a cara imprensada nas grades, olhando.
    [...] Numa das brincadeiras de “essa casa é minha”, paramos diante de uma que parecia um pequeno castelo. No fundo via-se o imenso pomar. E, à frente, em canteiros bem ajardinados, estavam plantadas as flores.
LISPECTOR, Clarice. Cem anos de perdão. Felicidade clandestina. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. p. 60.

A narrativa de ficção joga com sentidos duplos e figurados e explora as variadas possibilidades da linguagem. Na obra de Clarice Lispector, para atingir uma maior expressividade na construção do texto, destaca-se ainda a epifania. Considerando-se o conceito de epifania na obra dessa autora, pode-se ler o conto Cem anos de perdão como

A
antítese do prazer da criança que desvela, por meio do ato de roubar, as possibilidades da transgressão das rígidas normas impostas pela sociedade, mas que sofre de forma antecipada devido à possibilidade da punição.
B
metáfora da passagem da infância para a adolescência, uma vez que a descoberta dos grandes jardins com suas rosas e pitangas acena, figurativamente, para a descoberta do erotismo e da sexualidade.
C
alegoria da dor da criança pobre que, ao andar pelas ruas ricas do espaço urbano, percebe a desigualdade social de Recife, o que autoriza e legitima o ato de roubar.
D
metonímia do mal que se manifesta, de forma inofensiva, nas crianças, por meio do roubo de rosas e de pitangas, mas que na vida adulta se manifestará em atos e atitudes que prejudicarão a sociedade.

Gabarito comentado

G
Gabriel Antunes Monitor do Qconcursos

Tema central: A questão explora interpretação de texto e o manejo de figuras de linguagem, especificamente a metáfora e o conceito de epifania em literatura. São pontos essenciais para vestibulares, exigindo do candidato leitura atenta e análise dos sentidos figurativos presentes no texto.

Justificativa da alternativa correta (B):
A alternativa B afirma que o conto pode ser lido como “metáfora da passagem da infância para a adolescência”, destacando a descoberta dos jardins com suas rosas e pitangas como uma referência simbólica à descoberta do erotismo e da sexualidade. De acordo com a definição de metáfora (Bechara, Moderna Gramática Portuguesa), há uma substituição implícita de sentidos: o espaço físico dos jardins remete ao amadurecimento subjetivo da protagonista.
A epifania, por sua vez, caracteriza-se aqui como um momento de revelação interna – a personagem se percebe diferente diante das sensações proporcionadas pela transgressão e pelo contato com o novo, o que corresponde ao que Nádia Battella Gotlib define como “insight transformador”.

Análise das alternativas incorretas:

A) Foca na antecipação do prazer e do medo da punição, mas não articula metaforicamente a transição de fases da vida. O ponto central do conto é a mudança de percepção, não apenas o conflito entre prazer e culpa.

C) Concentra-se na desigualdade social e na ideia de legitimar o roubo devido à condição da infância pobre. O texto manifesta certa delicadeza e transcendência simbólica, não uma crítica social direta.

D) Subentende o roubo como manifestação de um “mal” que evolui na vida adulta, interpretação reducionista e não sugerida pelo conto, que trabalha a transgressão de modo poético e ritualístico, mais vinculado ao crescimento pessoal do que à formação de caráter negativo.

Estratégias de interpretação: Identifique palavras que expressem sentido figurado (“descoberta”, “jardins”, “rosas”) e faça conexão com o desenvolvimento do eu. Em Clarice Lispector, a epifania costuma marcar ritos de passagem internos nas personagens.

Portanto, a alternativa B é a correta por captar com precisão a função simbólica dos elementos do conto e a experiência epifânica da protagonista, conforme as principais gramáticas e estudos literários.

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