Analise as passagens extraídas do texto e as afirmações feitas sobre cada uma delas e, em seguida,
assinale a alternativa que contém a afirmação INCORRETA.
Nós, os brasileiros
Uma editora europeia me pede que traduza poemas de autores estrangeiros sobre o Brasil. Como
sempre, eles falam da Floresta Amazônica, uma floresta muito pouco real, aliás. Um bosque poético,
com “mulheres de corpos alvíssimos espreitando entre os troncos das árvores, [...]”. Não faltam flores
azuis, rios cristalinos e tigres mágicos.
Traduzo os poemas por dever de ofício, mas com uma secreta – e nunca realizada – vontade de inserir
ali um grãozinho de realidade. Nas minhas idas (nem tantas) ao exterior, onde convivi, sobretudo, com
escritores ou professores e estudantes universitários – portanto, gente razoavelmente culta – eu fui
invariavelmente surpreendida com a profunda ignorância a respeito de quem, como e o que somos. – A
senhora é brasileira? Comentaram espantados alunos de uma universidade americana famosa. – Mas
a senhora é loira!
Depois de ler, num congresso de escritores em Amsterdã, um trecho de um dos meus romances
traduzido em inglês, ouvi de um senhor elegante, dono de um antiquário famoso, que segurou comovido
minhas duas mãos: – Que maravilha! Nunca imaginei que no Brasil houvesse pessoas cultas! Pior ainda,
no Canadá alguém exclamou incrédulo: – Escritora brasileira? Ué, mas no Brasil existem editoras? A
culminância foi a observação de uma crítica berlinense, num artigo sobre um romance meu editado por
lá, acrescentando, a alguns elogios, a grave restrição: “porém não parece um livro brasileiro, pois não
fala nem de plantas nem de índios nem de bichos”.
Diante dos três poemas sobre o Brasil, esquisitos para qualquer brasileiro, pensei mais uma vez que
esse desconhecimento não se deve apenas à natural (ou inatural) alienação estrangeira quanto ao
geograficamente fora de seus interesses, mas também a culpa é nossa. Pois o que mais exportamos de
nós é o exótico e o folclórico.
Em uma feira do livro de Frankfurt, no espaço brasileiro, o que se via eram livros (não muito bem
arrumados), muita caipirinha na mesa e televisões mostrando carnaval, futebol, praia e mato. E eu,
mulher essencialmente urbana, escritora das geografias interiores de meus personagens eróticos,
senti-me tão deslocada quanto um macaco em uma loja de cristais. Mesmo que tentasse explicar,
ninguém acreditaria que eu era tão brasileira quanto qualquer negra de origem africana vendendo
acarajé nas ruas de Salvador. Porque o Brasil é tudo isso. E nem a cor de meu cabelo e olhos, nem meu
sobrenome, nem os livros que li na infância, nem o idioma que falei naquele tempo, além do português,
fazem-me menos nascida e vivida nesta terra de tão surpreendentes misturas: imensa, desaproveitada,
instigante e (por que ter medo da palavra?) maravilhosa.
(Luft, Lya. Pensar e transgredir. Rio de Janeiro: Record, 2005, pág. 49 – 51)
Gabarito comentado
Análise do tema central:
Esta questão avalia habilidades em interpretação de textos e análise gramatical, especialmente concordância verbal, identificação de orações subordinadas e funções sintáticas. Também requer que o candidato identifique o sentido de conectivos e as funções de orações dentro do período.
Justificativa da alternativa INCORRETA (gabarito: C):
A frase “Nunca imaginei que no Brasil houvesse pessoas cultas!” contém o verbo “haver” no sentido de existir. Pela norma-padrão, nesse sentido, “haver” é impessoal: não tem sujeito e fica sempre na terceira pessoa do singular, conforme explica Evanildo Bechara (Moderna Gramática Portuguesa). Portanto, ele não concorda nem com “Brasil” nem com “pessoas cultas”.
Exemplo: “Havia muitas pessoas na praça.” (correto)
Logo, a afirmação da alternativa “C” é INCORRETA, pois indica uma concordância inexistente.
Análise das demais alternativas:
A) “Mesmo que” introduz uma oração concessiva, podendo ser substituído por “embora”, sem prejuízo de sentido. Está correta.
B) “que falei naquele tempo” é uma oração subordinada adjetiva restritiva, qualificando “idioma”, ou seja, exerce função adjetiva. Está correta.
D) “que traduza poemas…” funciona como oração subordinada substantiva objetiva direta: é o objeto direto do verbo “pede”. Bechara e Cunha & Cintra reforçam essa classificação. Está correta.
Dica para provas: Sempre atente para verbos impessoais (“haver” no sentido de existir) e para as funções sintáticas de orações introduzidas por “que” e “se”. Cuidado com afirmações sobre concordância: muitas vezes, a pegadinha está em confundir o sujeito.
Em resumo: O erro central está na concordância verbal da alternativa C, pois o verbo “haver” usado de forma impessoal nunca concorda com sujeito. Saber identificar orações adjetivas e substantivas também foi essencial para julgar as demais alternativas.
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