Considere o texto abaixo e as complementações (I, II e III) que o
seguem:
Mesmo à distância de mais de um século (Esaú e Jacó é de 1907), um
aspecto que se encontra presente no texto de Machado de Assis e que ainda
interessa à atualidade é
I a configuração urbana, topográfica e social, do Rio de Janeiro, entre
morro e cidade, com as interações problemáticas entre ambos.
II a combinação de práticas religiosas, às vezes incompatíveis, com as
contradições que lhe são inerentes.
III o terror pânico, decorrente da violência urbana, provocado pela
aguda desigualdade social.
O referido texto forma uma afirmação correta quando é
complementado pelo que está em
Considere o texto abaixo e as complementações (I, II e III) que o seguem:
Mesmo à distância de mais de um século (Esaú e Jacó é de 1907), um aspecto que se encontra presente no texto de Machado de Assis e que ainda interessa à atualidade é
I a configuração urbana, topográfica e social, do Rio de Janeiro, entre morro e cidade, com as interações problemáticas entre ambos.
II a combinação de práticas religiosas, às vezes incompatíveis, com as contradições que lhe são inerentes.
III o terror pânico, decorrente da violência urbana, provocado pela aguda desigualdade social.
O referido texto forma uma afirmação correta quando é complementado pelo que está em
Era a primeira vez que as duas iam ao Morro do Castelo. Começaram de
subir pelo lado da Rua do Carmo. Muita gente há no Rio de Janeiro que nunca
lá foi, muita haverá morrido, muita mais nascerá e morrerá sem lá pôr os pés.
Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade inteira. Um velho inglês,
que aliás andara terras e terras, confiava-me há muitos anos em Londres que
de Londres só conhecia bem o seu clube, e era o que lhe bastava da metrópole
e do mundo.
Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além de Botafogo, mas o
Morro do Castelo, por mais que ouvissem falar dele e da cabocla* que lá
reinava em 1871, era-lhes tão estranho e remoto como o clube. O íngreme, o
desigual, o mal calçado da ladeira mortificavam os pés às duas pobres donas.
Não obstante, continuavam a subir, como se fosse penitência, devagarinho,
cara no chão, véu para baixo. A manhã trazia certo movimento; mulheres,
homens, crianças que desciam ou subiam, lavadeiras e soldados, algum
empregado, algum lojista, algum padre, todos olhavam espantados para elas,
que aliás vestiam com grande simplicidade; mas há um donaire** que se não
perde, e não era vulgar naquelas alturas. A mesma lentidão do andar,
comparada à rapidez das outras pessoas, fazia desconfiar que era a primeira
vez que ali iam. Uma crioula perguntou a um sargento: "Você quer ver que elas
vão à cabocla?" E ambos pararam a distância, tomados daquele invencível
desejo de conhecer a vida alheia, que é muita vez toda a necessidade humana.
Com efeito, as duas senhoras buscavam disfarçadamente o número da
casa da cabocla, até que deram com ele. A casa era como as outras, trepada
no morro. Subia-se por uma escadinha, estreita, sombria, adequada à
aventura.
Machado de Assis, Esaú e Jacó.
* cabocla: vidente, adivinha.
** donaire: elegância.
Era a primeira vez que as duas iam ao Morro do Castelo. Começaram de subir pelo lado da Rua do Carmo. Muita gente há no Rio de Janeiro que nunca lá foi, muita haverá morrido, muita mais nascerá e morrerá sem lá pôr os pés. Nem todos podem dizer que conhecem uma cidade inteira. Um velho inglês, que aliás andara terras e terras, confiava-me há muitos anos em Londres que de Londres só conhecia bem o seu clube, e era o que lhe bastava da metrópole e do mundo.
Natividade e Perpétua conheciam outras partes, além de Botafogo, mas o Morro do Castelo, por mais que ouvissem falar dele e da cabocla* que lá reinava em 1871, era-lhes tão estranho e remoto como o clube. O íngreme, o desigual, o mal calçado da ladeira mortificavam os pés às duas pobres donas. Não obstante, continuavam a subir, como se fosse penitência, devagarinho, cara no chão, véu para baixo. A manhã trazia certo movimento; mulheres, homens, crianças que desciam ou subiam, lavadeiras e soldados, algum empregado, algum lojista, algum padre, todos olhavam espantados para elas, que aliás vestiam com grande simplicidade; mas há um donaire** que se não perde, e não era vulgar naquelas alturas. A mesma lentidão do andar, comparada à rapidez das outras pessoas, fazia desconfiar que era a primeira vez que ali iam. Uma crioula perguntou a um sargento: "Você quer ver que elas vão à cabocla?" E ambos pararam a distância, tomados daquele invencível desejo de conhecer a vida alheia, que é muita vez toda a necessidade humana.
Com efeito, as duas senhoras buscavam disfarçadamente o número da casa da cabocla, até que deram com ele. A casa era como as outras, trepada no morro. Subia-se por uma escadinha, estreita, sombria, adequada à aventura.
Machado de Assis, Esaú e Jacó.
* cabocla: vidente, adivinha.
** donaire: elegância.
Gabarito comentado
Tema central da questão: Interpretação de Textos. A habilidade cobrada é a de identificar, no excerto machadiano, elementos do contexto social/cultural que permanecem pertinentes à atualidade. A questão demanda análise de conteúdo explícito (o que está dito) e implícito (o que se depreende) do texto.
Justificativa da alternativa correta - E) I e II, somente:
I. Configuração urbana, topográfica e social: O texto evidencia como o Morro do Castelo é um espaço pouco explorado por muitos habitantes do Rio, retratando a separação geográfica/social entre o morro e a cidade. Essa problemática de segregação e diferença de experiências urbanas permanece presente hoje nos grandes centros urbanos brasileiros.
II. Práticas religiosas em convivência e contradição: As personagens buscam uma cabocla (vidente), indicando o sincretismo de práticas religiosas urbanas – uma característica cultural constante no Brasil, marcada por diferentes tradições e suas contradições internas.
Estratégia de Resolução: Valer-se de palavras-chave (“morro”, “cidade”, “cabocla”) e contextualização histórica do texto é essencial na identificação temática, conforme orientam autores como Bechara e Adriana Figueiredo.
Análise das alternativas incorretas:
III. Terror pânico causado pela violência urbana: NÃO se confirma no texto. Machado de Assis aborda o estranhamento e a curiosidade das personagens, nunca pânico oriundo de violência. O texto destaca o desconforto pela topografia e pela novidade do lugar, não pelo medo de violência. A alternativa III representa uma extrapolação sem apoio no trecho.
Alternativas A, B, C e D também estão erradas, pois desconsideram o duplo recorte urbano-religioso necessário à correta compreensão.
Ponto de atenção: Evite ser levado por generalizações ou associações automáticas entre morro e violência: sempre retorne ao texto e fundamente sua resposta.
Resumo da Regra de Ouro: A interpretação de textos exige análise rigorosa do que está realmente presente no fragmento, sem criar relações que o autor não sinalizou — habilidade essencial segundo Evanildo Bechara e os manuais de concurso.
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