No excerto, diz o narrador que Aristarco “mineralizava-se todo”, via-se mudado, de ser vivo, em
elemento mineral. Processos de mineralização são também centrais na caracterização da principal
personagem feminina do romance
Depois de uma parte de concerto, que foi como descanso reparador, seguiu-se a oferta do
busto. Teve a palavra o Professor Venâncio.
(...)
O orador acumulou paciente todos os epítetos de engrandecimento, desde o raro metal da
sinceridade até o cobre dúctil, cantante das adulações. Fundiu a mistura numa fogueira de calorosas
ênfases, e sobre a massa bateu como um ciclope, longamente, até acentuar a imagem monumental
do diretor.
Aristarco depois do primeiro receio esquecia-se na delícia de uma metamorfose. Venâncio era
o seu escultor.
A estátua não era mais uma aspiração: batiam-na ali. Ele sentia metalizar-se a carne à
medida que o Venâncio falava. Compreendia inversamente o prazer de transmutação da matéria
bruta que a alma artística penetra e anima: congelava-lhe os membros uma frialdade de ferro; à
epiderme, nas mãos, na face, via, adivinhava reflexos desconhecidos de polimento. Consolidavam-se
as dobras das roupas em modelagem resistente e fixa. Sentia-se estranhamente maciço por dentro,
como se houvera bebido gesso. Parava-lhe o sangue nas artérias comprimidas. Perdia a sensação da
roupa; empedernia-se, mineralizava-se todo. Não era um ser humano: era um corpo inorgânico,
rochedo inerte, bloco metálico, escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das
esculturas, sem consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh, glória! Mas feito estátua.
“Coroemo-lo!” bradou de súbito Venâncio.
Raul Pompeia, O Ateneu
Aristarco depois do primeiro receio esquecia-se na delícia de uma metamorfose. Venâncio era o seu escultor.
A estátua não era mais uma aspiração: batiam-na ali. Ele sentia metalizar-se a carne à medida que o Venâncio falava. Compreendia inversamente o prazer de transmutação da matéria bruta que a alma artística penetra e anima: congelava-lhe os membros uma frialdade de ferro; à epiderme, nas mãos, na face, via, adivinhava reflexos desconhecidos de polimento. Consolidavam-se as dobras das roupas em modelagem resistente e fixa. Sentia-se estranhamente maciço por dentro, como se houvera bebido gesso. Parava-lhe o sangue nas artérias comprimidas. Perdia a sensação da roupa; empedernia-se, mineralizava-se todo. Não era um ser humano: era um corpo inorgânico, rochedo inerte, bloco metálico, escória de fundição, forma de bronze, vivendo a vida exterior das esculturas, sem consciência, sem individualidade, morto sobre a cadeira, oh, glória! Mas feito estátua.
“Coroemo-lo!” bradou de súbito Venâncio.
Gabarito comentado
Tema central: Interpretação de texto e análise de metáfora no contexto literário, identificando processos simbólicos de "mineralização" associados à construção de personagens femininas em obras da literatura brasileira.
O comando pergunta em qual romance a “mineralização” é também marcante, focando a protagonista feminina. Para responder, é necessário reconhecer a metáfora — conceito da figura de linguagem que, conforme Bechara (Moderna Gramática Portuguesa), consiste em atribuir uma qualidade de um elemento a outro, sem expressão comparativa explícita.
Justificativa da alternativa correta (A – Senhora, de José de Alencar):
Em Senhora, Aurélia Camargo simboliza, ao longo do romance, um processo de endurecimento emocional: após decepções amorosas, age com frieza, distanciando-se do sentimentalismo e assumindo postura calculista, metaforicamente “mineralizada”. Isso significa que sua humanidade, afetos e emoções são substituídos pela “rigidez” e “dureza” de alguém que se blinda de sentimentos para enfrentar suas dores. A análise da metáfora é essencial para chegar à resposta, revelando como o texto literário utiliza processos simbólicos para caracterizar psicologicamente a personagem.
Eliminação das alternativas incorretas:
- B) Quincas Borba: o enredo explora o Humanitismo e a trajetória de Rubião; não trata de “mineralização” feminina.
- C) O cortiço: embora haja personagens femininas fortes, como Rita Baiana, a metáfora da “mineralização” não é central à obra.
- D) Macunaíma: trata da busca da identidade nacional, centrando-se em personagem masculina e elementos míticos, sem tal processo simbólico.
- E) São Bernardo: apesar do sofrimento de Madalena, não há ênfase na transformação em elemento “mineral”.
Estratégia para questões similares: procure ler atentamente metáforas e imagens presentes nos enunciados, relacionando-as ao enredo e à construção dos personagens. Isso evita pegadinhas que exploram generalizações sem análise do conteúdo literário.
Resumo da regra: Identificar metáforas (figura de linguagem: relação de semelhança implícita) e analisar o contexto permite a interpretação correta e o reconhecimento da alternativa alinhada à proposta do enunciado.
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