Questão 2189f451-65
Prova:UNESP 2021
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Figuras de Linguagem

Considerado no contexto, constitui exemplo de eufemismo o verbo sublinhado no trecho

Para responder à questão, leia o trecho da peça A mais-valia vai acabar, seu Edgar, de Oduvaldo Vianna Filho, o Vianinha. A peça foi encenada em 1960 na arena da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Brasil e promoveu um amplo debate. A mobilização resultante desse debate desencadeou a criação do Centro Popular de Cultura (CPC).


Coro dos desgraçados: Trabalhamos noite e dia, dia e noite sem parar! Então de nada precisamos, se só precisamos trabalhar! Há mil anos sem parar! Fizemos as correntes que nos botaram nos pés, fizemos a Bastilha onde fomos morar, fizemos os canhões que vão nos apontar. Há mil anos sem parar! Não mandamos, não fugimos, não cheiramos, não matamos, não fingimos, não coçamos, não corremos, não deitamos, não sentamos: trabalhamos. Há mil anos sem parar! Ninguém sabe nosso nome, não conhecemos a espuma do mar, somos tristes e cansados. Há mil anos sem parar! Eu nunca ri — eu nunca ri — sempre trabalhei. Eu faço charutos e fumo bitucas, eu faço tecidos e ando pelado, eu faço vestido pra mulher, e nunca vi mulher desvestida. Há mil anos sem parar! Maria esqueceu de mim e foi morar com seu Joaquim. Há mil anos sem parar!

(Apito longo. Um cartaz aparece:

“Dois minutos de descanso e lamba as unhas.”

Todos vão tentar sentar.

Menos o Desgraçado 4 que fica de pé furioso.)

Desgraçado 1: Ajuda-me aqui, Dois. Eu quero me dá uma sentadinha.

(Desgraçado 2 ri de tudo.)

Desgraçado 3: Senta. (Desgraçado 1 vai pôr a cabeça no chão.) De assim, não. Acho que não é com a cabeça não.

Desgraçado 1: Eu esqueci.

Desgraçado 3: A bunda, põe ela no chão. A perna é que eu não sei.

Desgraçado 2: A perna tira.

(Desgraçado 3 e Desgraçado 2

desistem de descobrir. Se atiram no chão.)

Desgraçado 1: A perna dobra! (Senta. Satisfeito.)

Desgraçado 2: Quero ver levantar.

(Todos olham para Desgraçado 4,

fazem sinais para que ele se sente.)

Desgraçado 4: Não! Chega pra mim! Eu só trabalho, trabalho, trabalho… (Perde o fôlego.)

Desgraçado 3: Eu te ajudo: trabalho, trabalho, trabalho...

Desgraçado 4: E tenho dois minutos de descanso? Nunca vi o sol, não tomei leite condensado, não canto na rua, esqueci do sentar, quando chega a hora de descansar, fico pensando na hora de trabalhar! Chega!

Slide: Quem canta seus males espanta.

Desgraçado 1: (cantando) A paga vem depois que a gente morre! Você vira um anjo todo branco, rindo sempre da brancura, bebe leite em teta de nuvem, não tem mais fome, não tem saudade, pinta o céu de cor de felicidade!

(Peças do CPC, 2016. Adaptado.)

A
“fizemos os canhões que vão nos apontar”.
B
“não conhecemos a espuma do mar”.
C
“Ninguém sabe nosso nome”.
D
“A paga vem depois que a gente morre”.
E
“fizemos a Bastilha onde fomos morar”.

Gabarito comentado

Carlos FerreiraMestre e Doutor em Teoria e História Literária pela UNICAMP. Formado em Letras pela Unicamp. Corretor de redação para concursos da banca Cespe/UnB e Vunesp. Corretor do Vestibular UNICAMP.

Nesta questão o candidato deve ter conhecimentos a respeito de figuras de linguagem, categoria na qual se encaixa o eufemismo, coisa que o candidato deveria reconhecer nas alternativas. Dito isto, é hora da resolução.

 

As figuras de linguagem são recursos empregados em certos textos. Tratam-se de  expressões que destoam da linguagem comum e que dão ao texto um significado que vai além do sentido literal, permitindo, dessa forma, que o enunciado ganhe outros significados.

 

O eufemismo é uma dessas figuras de linguagem. Sua função é a de suavizar, de amenizar certas declarações.

 

Exemplo: “Segundo o portal de notícias, o parlamentar faltou com a verdade em seu depoimento".

 

Na frase acima, para não dizer que o depoente mentiu, o autor utiliza um eufemismo – faltou com a verdade – expressão que é mais amena do que ele mentiu.

 

Agora, consideremos as alternativas da questão. O enunciado pede que o candidato aponte qual verbo sublinhado nas alternativas se constitui como exemplo de eufemismo.

 

Temos:

 

A)    Incorreta. Na frase “fizemos os canhões que vão nos apontar" o verbo apontar não suaviza nenhuma ideia trabalhada, muito pelo contrário. Na verdade, o verbo enfatiza ainda mais o sentido literal da expressão.


B)    Incorreta. Aqui nem é necessário transcrever a frase da alternativa. Ela quer dizer exatamente que as pessoas representadas não conhecem a espuma do mar. Vejam que não há nenhum elemento que permita que pensemos que a frase pode ter mais de um sentido.


C)    Incorreta. Outro exemplo de frase em que não existe qualquer palavra que amenize, suavize ou mesmo que mude o sentido.


D)    Incorreta. Também não encontramos, aqui, nenhum termo que indique que a frase possa assumir outros significados.


E)     Correta. Aqui, a palavra “Bastilha" remete a um episódio considerado chave para a Revolução Francesa: a Tomada (ou Queda) da Bastilha, ocorrida em 14 de julho de 1789. A Bastilha era uma antiga prisão do regime monárquico francês e era símbolo de opressão e violência. Pois bem, se a frase diz “fizemos a Bastilha onde fomos morar", o verbo morar não pode ser lido como tendo sentido literal. Afinal, quem é que faria uma prisão para si mesmo? Trata-se, portanto, de um recurso de estilo que destoa da linguagem comum, no caso, um eufemismo, isto é, uma palavra empregada para suavizar determinado sentido.

 

Gabarito do Professor: Letra E

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