Em “Professor, autor de um livro de filologia, cair na vulgaridade da expressão comum: ‘pálida homenagem’?” (8° parágrafo), o termo sublinhado está empregado na acepção de
Para responder à questão, leia a crônica
“A obra-prima”, de Lima Barreto, publicada na revista Careta
em 25.09.1915.
Marco Aurélio de Jesus, dono de um grande talento e
senhor de um sólido saber, resolveu certa vez escrever uma
obra sobre filologia.
Seria, certo, a obra-prima ansiosamente esperada e que
daria ao espírito inculto dos brasileiros as noções exatas da
língua portuguesa. Trabalhou durante três anos, com esforço
e sabiamente. Tinha preparado o seu livro que viria trazer à
confusão, à dificuldade de hoje, o saber de amanhã. Era uma
obra-prima pelas generalizações e pelos exemplos.
A quem dedicá-la? Como dedicá-la? E o prefácio?
E Marco Aurélio resolve meditar. Ao fim de igual tempo
havia resolvido o difícil problema.
A obra seria, segundo o velho hábito, precedida de “duas
palavras ao leitor” e levaria, como demonstração de sua submissão intelectual, uma dedicatória.
Mas “duas palavras”, quando seriam centenas as que
escreveria? Não. E Marco Aurélio contou as “duas palavras”
uma a uma. Eram duzentas e uma e, em um lance único,
genial, destacou em relevo, ao alto da página “duzentas e
uma palavras ao leitor”.
E a dedicatória? A dedicatória, como todas as dedicatórias, seria a “pálida homenagem” de seu talento ao espírito
amigo que lhe ensinara a pensar…
Mas “pálida homenagem”… Professor, autor de um livro
de filologia, cair na vulgaridade da expressão comum: “pálida
homenagem”? Não. E pensou. E de sua grave meditação,
de seu profundo pensamento, saiu a frase límpida, a grande
frase que definia a sua ideia da expressão e, num gesto, sulcou o alto da página de oferta com a frase sublime: “lívida
homenagem do autor”…
Está aí como um grande gramático faz uma obra-prima.
Leiam-na e verão como a coisa é bela.
(Sátiras e outras subversões, 2016.)
Para responder à questão, leia a crônica “A obra-prima”, de Lima Barreto, publicada na revista Careta em 25.09.1915.
Marco Aurélio de Jesus, dono de um grande talento e senhor de um sólido saber, resolveu certa vez escrever uma obra sobre filologia.
Seria, certo, a obra-prima ansiosamente esperada e que daria ao espírito inculto dos brasileiros as noções exatas da língua portuguesa. Trabalhou durante três anos, com esforço e sabiamente. Tinha preparado o seu livro que viria trazer à confusão, à dificuldade de hoje, o saber de amanhã. Era uma obra-prima pelas generalizações e pelos exemplos.
A quem dedicá-la? Como dedicá-la? E o prefácio?
E Marco Aurélio resolve meditar. Ao fim de igual tempo havia resolvido o difícil problema.
A obra seria, segundo o velho hábito, precedida de “duas palavras ao leitor” e levaria, como demonstração de sua submissão intelectual, uma dedicatória.
Mas “duas palavras”, quando seriam centenas as que escreveria? Não. E Marco Aurélio contou as “duas palavras” uma a uma. Eram duzentas e uma e, em um lance único, genial, destacou em relevo, ao alto da página “duzentas e uma palavras ao leitor”.
E a dedicatória? A dedicatória, como todas as dedicatórias, seria a “pálida homenagem” de seu talento ao espírito amigo que lhe ensinara a pensar…
Mas “pálida homenagem”… Professor, autor de um livro de filologia, cair na vulgaridade da expressão comum: “pálida homenagem”? Não. E pensou. E de sua grave meditação, de seu profundo pensamento, saiu a frase límpida, a grande frase que definia a sua ideia da expressão e, num gesto, sulcou o alto da página de oferta com a frase sublime: “lívida homenagem do autor”…
Está aí como um grande gramático faz uma obra-prima. Leiam-na e verão como a coisa é bela.
(Sátiras e outras subversões, 2016.)