Questão 1a6f9ebc-30
Prova:UNESP 2016
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Assinale a alternativa cuja máxima está em conformidade com o excerto e com a proposta do teatro de Gil Vicente.

Para responder a questão, leia o excerto de Auto da Barca do Inferno do escritor português Gil Vicente (1465?-1536?). A peça prefigura o destino das almas que chegam a um braço de mar onde se encontram duas barcas (embarcações): uma destinada ao Paraíso, comandada pelo anjo, e outra destinada ao Inferno, comandada pelo diabo.

 Vem um Frade com uma Moça pela mão […]; e ele
mesmo fazendo a baixa1  começou a dançar, dizendo
Frade: Tai-rai-rai-ra-rã ta-ri-ri-rã;
            Tai-rai-rai-ra-rã ta-ri-ri-rã;
            Tã-tã-ta-ri-rim-rim-rã, huha!
Diabo: Que é isso, padre? Quem vai lá?
Frade: Deo gratias2 ! Sou cortesão.
Diabo: Danças também o tordião3 ?
Frade: Por que não? Vê como sei.
Diabo: Pois entrai, eu tangerei4
            e faremos um serão.
            E essa dama, porventura?
Frade: Por minha a tenho eu,
            e sempre a tive de meu.
Diabo: Fizeste bem, que é lindura!
            Não vos punham lá censura
            no vosso convento santo?
Frade: E eles fazem outro tanto!
Diabo: Que preciosa clausura5!
Entrai, padre reverendo!
Frade: Para onde levais gente?
Diabo: Para aquele fogo ardente
            que não temestes vivendo.
Frade: Juro a Deus que não te entendo!
            E este hábito6não me val7?
Diabo: Gentil padre mundanal8
            a Belzebu vos encomendo!
Frade: Corpo de Deus consagrado!
            Pela fé de Jesus Cristo,
            que eu não posso entender isto!
            Eu hei de ser condenado?
            Um padre tão namorado
            e tanto dado à virtude?
            Assim Deus me dê saúde,
            que eu estou maravilhado!
Diabo: Não façamos mais detença9
            embarcai e partiremos;
            tomareis um par de remos.
Frade: Não ficou isso na avença10.
Diabo: Pois dada está já a sentença!
Frade: Por Deus! Essa seria ela?
            Não vai em tal caravela
            minha senhora Florença?
            Como? Por ser namorado
            e folgar c’uma mulher?
            Se há um frade de perder,
            com tanto salmo rezado?!
Diabo: Ora estás bem arranjado!
Frade: Mas estás tu bem servido.
Diabo: Devoto padre e marido,
            haveis de ser cá pingado11

(Auto da Barca do Inferno, 2007.)

 1 baixa: dança popular no século XVI.
2 Deo gratias: graças a Deus.
3 tordião: outra dança popular no século XVI.
4 tanger: fazer soar um instrumento.
5 clausura: convento.
6 hábito: traje religioso.
7 val: vale.
8 mundanal: mundano.
9 detença: demora.
10 avença: acordo.
11 ser pingado: ser pingado com gotas de gordura fervendo (segundo o imaginário popular, processo de tortura que ocorreria no inferno)

A
“O riso é abundante na boca dos tolos.”
B
“A religião é o ópio do povo.”
C
“Pelo riso, corrigem-se os costumes.”
D
“De boas intenções, o inferno está cheio.”
E
“O homem é o único animal que ri dos outros.”

Gabarito comentado

M
Melissa AguiarMentora Qconcursos

Gabarito comentado: Alternativa C

Tema central: A questão envolve interpretação de texto, exigindo a compreensão da crítica social implícita no excerto de “Auto da Barca do Inferno”, de Gil Vicente. Destaca-se também o reconhecimento do papel do humor e da sátira na denúncia dos comportamentos e costumes da sociedade.

Justificativa da alternativa correta (C):
“Pelo riso, corrigem-se os costumes.” Essa opção traduz exatamente a proposta vicentina: usar o riso como instrumento de crítica social e moralização, expondo hipocrisias e falhas, mas buscando provocar a reflexão e corrigir os comportamentos. Segundo Bechara e outros gramáticos, a sátira é um recurso estilístico histórico do teatro moralizante, e Gil Vicente é referência nesse uso.

No excerto apresentado, vemos o Frade dançante, desacatando os preceitos religiosos e interagindo ironicamente com o Diabo. O tom burlesco evidencia a crítica: não é pelo castigo direto ou sermão, mas pelo ridículo e pelo riso que o autor convida a sociedade à autocrítica.

Análise das alternativas incorretas:

  • A) “O riso é abundante na boca dos tolos.” – Reduz o riso a tolice, contrário à proposta vicentina, que valoriza o riso como crítica construtiva.
  • B) “A religião é o ópio do povo.” – Frase marxista com sentido de alienação, não se relaciona à função crítica e moralizadora do teatro vicentino.
  • D) “De boas intenções, o inferno está cheio.” – Ressalta a hipocrisia, mas não aborda o uso do riso como ferramenta de correção, central para o texto.
  • E) “O homem é o único animal que ri dos outros.” – Trata da natureza do riso, mas não associa o riso à crítica e transformação social.

Para resolver questões assim:
• Releia o texto buscando o objetivo do autor.
• Identifique as intenções por trás do humor: crítica ou deboche?
• Elimine alternativas que distorcem ou desviam do foco central.

Em resumo: A obra de Gil Vicente evidencia que resolver-se pelo riso é transformar costumes, corrigindo-os por meio da sátira e do espelho cômico.

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