Questão 1a529c88-30
Prova:UNESP 2016
Disciplina:Português
Assunto:Interpretação de Textos, Noções Gerais de Compreensão e Interpretação de Texto

Na crônica, João Alves é descrito como

Para responder a questão, leia a crônica “Anúncio de João Alves”, de Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), publicada originalmente em 1954.

     Figura o anúncio em um jornal que o amigo me mandou, e está assim redigido:

     À procura de uma besta. – A partir de 6 de outubro do ano cadente, sumiu-me uma besta vermelho-escura com os seguintes característicos: calçada e ferrada de todos os membros locomotores, um pequeno quisto na base da orelha direita e crina dividida em duas seções em consequência de um golpe, cuja extensão pode alcançar de quatro a seis centímetros, produzido por jumento.

   Essa besta, muito domiciliada nas cercanias deste comércio, é muito mansa e boa de sela, e tudo me induz ao cálculo de que foi roubada, assim que hão sido falhas todas as indagações.

  Quem, pois, apreendê-la em qualquer parte e a fizer entregue aqui ou pelo menos notícia exata ministrar, será razoavelmente remunerado. Itambé do Mato Dentro, 19 de novembro de 1899. (a) João Alves Júnior.

  Cinquenta e cinco anos depois, prezado João Alves Júnior, tua besta vermelho-escura, mesmo que tenha aparecido, já é pó no pó. E tu mesmo, se não estou enganado, repousas suavemente no pequeno cemitério de Itambé. Mas teu anúncio continua um modelo no gênero, se não para ser imitado, ao menos como objeto de admiração literária.

   Reparo antes de tudo na limpeza de tua linguagem. Não escreveste apressada e toscamente, como seria de esperar de tua condição rural. Pressa, não a tiveste, pois o animal desapareceu a 6 de outubro, e só a 19 de novembro recorreste à Cidade de Itabira. Antes, procedeste a indagações. Falharam. Formulaste depois um raciocínio: houve roubo. Só então pegaste da pena, e traçaste um belo e nítido retrato da besta.

   Não disseste que todos os seus cascos estavam ferrados; preferiste dizê-lo “de todos os seus membros locomotores”. Nem esqueceste esse pequeno quisto na orelha e essa divisão da crina em duas seções, que teu zelo naturalista e histórico atribuiu com segurança a um jumento.

   Por ser “muito domiciliada nas cercanias deste comércio”, isto é, do povoado e sua feirinha semanal, inferiste que não teria fugido, mas antes foi roubada. Contudo, não o afirmas em tom peremptório: “tudo me induz a esse cálculo”. Revelas aí a prudência mineira, que não avança (ou não avançava) aquilo que não seja a evidência mesma. É cálculo, raciocínio, operação mental e desapaixonada como qualquer outra, e não denúncia formal.

   Finalmente – deixando de lado outras excelências de tua prosa útil – a declaração final: quem a apreender ou pelo menos “notícia exata ministrar”, será “razoavelmente remunerado”. Não prometes recompensa tentadora; não fazes praça de generosidade ou largueza; acenas com o razoável, com a justa medida das coisas, que deve prevalecer mesmo no caso de bestas perdidas e entregues.

   Já é muito tarde para sairmos à procura de tua besta, meu caro João Alves do Itambé; entretanto essa criação volta a existir, porque soubeste descrevê-la com decoro e propriedade, num dia remoto, e o jornal a guardou e alguém hoje a descobre, e muitos outros são informados da ocorrência. Se lesses os anúncios de objetos e animais perdidos, na imprensa de hoje, ficarias triste. Já não há essa precisão de termos e essa graça no dizer, nem essa moderação nem essa atitude crítica. Não há, sobretudo, esse amor à tarefa bem-feita, que se pode manifestar até mesmo num anúncio de besta sumida.

(Fala, amendoeira, 2012.)

A
rústico e mesquinho.
B
calculista e interesseiro.
C
generoso e precipitado.
D
sensato e meticuloso.
E
ingênuo e conformado.

Gabarito comentado

B
Benjamin Franco Monitor do Qconcursos

Comentário da Questão – Interpretação de Texto (Caracterização de Personagem)

Tema central: Interpretação de texto, com foco na caracterização indireta de personagem. A questão exige a análise de traços de personalidade atribuídos a João Alves, descritos pelo olhar atento do cronista.

Na crônica, João Alves é apresentado como alguém que age com sensatez e meticulosidade. Isso se evidencia, por exemplo, quando Drummond destaca a "limpeza de tua linguagem" e elogia a descrição detalhada e precisa do animal perdido. Notadamente, João Alves recorre a "indagações" antes de concluir pelo roubo − sinal de cautela e ponderação, afastando assim qualquer atitude precipitada.

Além disso, ele não faz afirmações taxativas: "tudo me induz ao cálculo", evitando acusações sem provas, típica postura sensata. Sua recompensa é "razoável", demonstrando moderação. Essa condução revela a regra de interpretação textual: a correta identificação do traço de um personagem se faz pelo conjunto de ações, escolhas linguísticas e juízos do narrador (conforme ensina Celso Cunha em “Nova Gramática do Português Contemporâneo”).

Análise das alternativas:

  • A) rústico e mesquinho: O oposto é apontado, pois Drummond valoriza a sofisticação do texto e a justeza de João Alves.
  • B) calculista e interesseiro: "Cálculo" no texto indica prudência, não frieza ou interesse próprio.
  • C) generoso e precipitado: A generosidade não se evidencia – a recompensa é equilibrada –, e a ausência de pressa é ressaltada.
  • E) ingênuo e conformado: João Alves investiga e pondera, o que afasta traços de ingenuidade ou resignação.

Alternativa correta: D) sensato e meticuloso. João Alves age com prudência, detalhe e moderação.

Dica para provas: Atenção ao posicionamento sutil do narrador sobre personagens! Busque verbos indicativos de ação prudente ou precipitada, e observe como o texto fundamenta julgamentos – muitas pegadinhas interpretativas omitem esses indícios.

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