10 DE MAIO Fui na delegacia e falei com o tenente. Que homem amavel! Se eu soubesse que ele era tão amavel, eu teria
ido na delegacia na primeira intimação. (...) O tenente interessou-se pela educação dos meus filhos. Disse-me que a favela
é um ambiente propenso que as pessoas tem mais possibilidades de delinquir do que tornar-se util a patria e ao país.
Pensei: Se ele sabe disto, porque não faz um relatorio e envia
para os politicos? O senhor Janio Quadros, o Kubstchek e o
Dr. Adhemar de Barros? Agora falar para mim, que sou uma
pobre lixeira. Não posso resolver nem as minhas dificuldades.
... O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já
passou fome. A fome também é professora.
Quem passa fome aprende a pensar no proximo, e nas
crianças.
(Carolina Maria de Jesus. Quarto de despejo: diário de uma favelada, 1993)
Relacionando o texto de Carolina Maria de Jesus aos conceitos de língua apresentados nos Textos I e II, conclui-se que
os usos da linguagem feitos pela autora recobrem a noção de
Leia os textos para responder à questão.
Texto I
A palavra falada é um fenômeno natural; a palavra escrita
é um fenômeno cultural. O homem natural pode viver perfeitamente sem ler nem escrever. Não o pode o homem a que
chamamos civilizado: por isso, como disse, a palavra escrita
é um fenômeno cultural, não da natureza mas da civilização,
da qual a cultura é a essência e o esteio.
Pertencendo, pois, a mundos (mentais) essencialmente
diferentes, os dois tipos de palavra obedecem forçosamente a
leis ou regras essencialmente diferentes. A palavra falada é um
caso, por assim dizer, democrático. Ao falar, temos que obedecer à lei do maior número, sob pena de não sermos compreendidos ou sermos inutilmente ridículos. Se a maioria pronuncia mal uma palavra, temos que a pronunciar mal: diremos
anedota, embora sabíamos que se deve dizer anécdota. Se a
maioria usa de uma construção gramatical errada, da mesma
construção teremos que usar: diremos “hás-de tu compreender”, embora saibamos que “hás tu de compreender” é a fórmula verdadeira. Se a maioria caiu em usar estrangeirismos ou
outras irregularidades verbais, assim temos que fazer: “match
de football” diremos, e não “partida de bolapé”. Os termos ou
expressões que na linguagem escrita são justos, e até obrigatórios, tornam-se uma estupidez e pedantaria, se deles fazemos uso no trato verbal. Tornam-se até em má-criação, pois o
preceito fundamental da civilidade é que nos conformemos o
mais possível com as maneiras, os hábitos, e a educação da
pessoa com quem falamos, ainda que nisso faltemos às boas-
-maneiras ou à etiqueta, que são a cultura exterior.
(Fernando Pessoa, A Língua Portuguesa. São Paulo:
Companhia das Letras, 1999)
Texto II
(...) há duas línguas no Brasil: uma que se escreve (e
recebe o nome de “português”); e outra que se fala (e que é
tão desprezada que nem tem nome). E é esta última que é a
língua materna dos brasileiros; a outra (o “português”) tem de
ser aprendida na escola, e a maior parte da população nunca
chega a dominá-la adequadamente.
Vamos chamar a língua falada no Brasil de vernáculo
brasileiro (...). Assim, diremos que no Brasil se escreve em
português, uma língua que também funciona como língua de
civilização em Portugal e em alguns países da África. Mas a
língua que se fala no Brasil é o vernáculo brasileiro, que não
se usa nem em Portugal nem na África.
(Mário A. Perini, Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 1997)
Leia os textos para responder à questão.
Texto I
A palavra falada é um fenômeno natural; a palavra escrita é um fenômeno cultural. O homem natural pode viver perfeitamente sem ler nem escrever. Não o pode o homem a que chamamos civilizado: por isso, como disse, a palavra escrita é um fenômeno cultural, não da natureza mas da civilização, da qual a cultura é a essência e o esteio.
Pertencendo, pois, a mundos (mentais) essencialmente diferentes, os dois tipos de palavra obedecem forçosamente a leis ou regras essencialmente diferentes. A palavra falada é um caso, por assim dizer, democrático. Ao falar, temos que obedecer à lei do maior número, sob pena de não sermos compreendidos ou sermos inutilmente ridículos. Se a maioria pronuncia mal uma palavra, temos que a pronunciar mal: diremos anedota, embora sabíamos que se deve dizer anécdota. Se a maioria usa de uma construção gramatical errada, da mesma construção teremos que usar: diremos “hás-de tu compreender”, embora saibamos que “hás tu de compreender” é a fórmula verdadeira. Se a maioria caiu em usar estrangeirismos ou outras irregularidades verbais, assim temos que fazer: “match de football” diremos, e não “partida de bolapé”. Os termos ou expressões que na linguagem escrita são justos, e até obrigatórios, tornam-se uma estupidez e pedantaria, se deles fazemos uso no trato verbal. Tornam-se até em má-criação, pois o preceito fundamental da civilidade é que nos conformemos o mais possível com as maneiras, os hábitos, e a educação da pessoa com quem falamos, ainda que nisso faltemos às boas- -maneiras ou à etiqueta, que são a cultura exterior.
(Fernando Pessoa, A Língua Portuguesa. São Paulo: Companhia das Letras, 1999)
Texto II
(...) há duas línguas no Brasil: uma que se escreve (e recebe o nome de “português”); e outra que se fala (e que é tão desprezada que nem tem nome). E é esta última que é a língua materna dos brasileiros; a outra (o “português”) tem de ser aprendida na escola, e a maior parte da população nunca chega a dominá-la adequadamente.
Vamos chamar a língua falada no Brasil de vernáculo brasileiro (...). Assim, diremos que no Brasil se escreve em português, uma língua que também funciona como língua de civilização em Portugal e em alguns países da África. Mas a língua que se fala no Brasil é o vernáculo brasileiro, que não se usa nem em Portugal nem na África.
(Mário A. Perini, Sofrendo a gramática. São Paulo: Ática, 1997)