Questão 035f7d8e-48
Prova:UNB 2010
Disciplina:Filosofia
Assunto:Ética e Liberdade, Conceitos Filosóficos

Os países que adotam a pena de morte como solução para o problema da violência se baseiam não em uma ética de princípios que considere a vida humana como valor supremo, mas, sim, em uma ética de cunho utilitarista, fundamentada na noção de maior bem comum possível. Na perspectiva utilitarista, mas não, na da ética de princípios, a solução adotada por tais países está sujeita a críticas quanto à sua efetividade.

A sala estava ladrilhada, polida, desinfetada,
perfeitamente vedada. Mais do que uma cela, tratava-se de um
laboratório. Um homem, jovem, estava sentado, preso em uma
cadeira. Uma grande abertura envidraçada permitia ver tudo. Ao
meio-dia e doze, pequenas bolas de cianeto de potássio (KCN)
caíram em um recipiente sob o assento, onde havia uma mistura
de ácido sulfúrico e água. Imediatamente, o gás envenenado
(HCN) começou a espalhar-se pelo ambiente. O homem começou
a tossir, a sufocar. Em poucos minutos, sua cabeça pendeu.
Tossiu, novamente, mais forte, ergueu a cabeça pela última vez
e desabou. Ao meio-dia e trinta, os médicos que supervisionavam
os instrumentos de controle declararam que o condenado Walter
LaGrands estava clinicamente morto. Ele tinha trinta e sete anos.
Nascera em Augsbourg, na Alemanha, como seu irmão Karl. A
mãe deles casara-se com um soldado americano, destacado para
servir na Alemanha, e depois partiu para os EUA com seus dois
filhos. Em 1982, em uma tentativa de roubo a mão armada a um
banco no Arizona, os irmãos LaGrands mataram um funcionário
e feriram outro. Eles tinham, à época, vinte e dezoito anos.
Ambos foram condenados à pena capital. Passaram dezesseis
anos no corredor da morte. Depois de ter o último recurso
negado, Karl solicitou ser executado com uma injeção letal.
Walter recusou. Era sua última cartada: já que a justiça americana
decidira que ele deveria morrer, que ela, então, matasse esse
cidadão alemão na câmara de gás. Talvez Walter pensasse que a
governadora do Arizona, Jane Hall, ante a dimensão simbólica
desse ato, pudesse recuar. Enganou-se. No dia 3 de março, Walter
foi levado à câmara de gás.

Robert Badinter. Contre la peine de mort. Écrits 1970-2006.
Paris: Fayard, 2006, p. 249-50 (tradução com adaptações).

A partir do texto, considerando os diferentes aspectos que ele
suscita e sabendo que as massas atômicas do hidrogênio, enxofre
e oxigênio são iguais, respectivamente, a 1, 32,1 e 16, julgue os
itens

C
Certo
E
Errado

Gabarito comentado

M
Manuela Cardoso Monitor do Qconcursos

Alternativa correta: C — Certo

Tema central: a diferença entre uma ética utilitarista (consequencialista) e uma ética de princípios (deontológica que vê a vida como valor supremo) e a implicação lógica sobre a adoção da pena de morte e sua sujeição a críticas empíricas.

Resumo teórico: O utilitarismo (Bentham, Mill) avalia ações segundo as consequências: uma política é justificável se maximiza o bem-estar coletivo — daí justificativas da pena capital por deterrência, prevenção ou benefício social. Em contraste, uma ética de princípios que entende a vida humana como valor supremo não admite sua violação mesmo por fins bons — aí a execução seria proibida por violar um princípio inviolável (direito à vida, dignidade humana).

Por que a assertiva é correta: quando países adotam a pena de morte como "solução" para violência, a justificativa predominante é instrumental/teleológica — espera-se reduzir crimes (deterrência) ou proteger a sociedade — isto é um raciocínio utilitarista. Esse tipo de justificativa está sujeito a críticas empíricas: se a pena capital não reduz efetivamente a criminalidade, o argumento utilitarista perde força. Estudos e relatórios (por ex., National Research Council, 2012; relatórios da Amnesty International) concluem que não há evidência conclusiva de efeito dissuasor robusto da pena de morte, tornando a solução passível de objeções específicas quanto à sua efetividade.

Observação importante (nuance): há correntes deontológicas que poderiam (historic./teoricamente) defender a pena com base em retribuição (por ex., leituras kantianas estritas). No entanto, a formulação do item refere‑se explicitamente à ética de princípios que considera a vida humana como valor supremo — esse tipo de posição é incompatível com a pena de morte. Assim, a oposição entre utilitarismo (que justifica pela consequência) e essa ética de princípios (que a proíbe) sustenta a afirmação do item.

Estratégia de prova para questões assim: identifique palavras-chave (utilitarista, ética de princípios, efetividade) e separe: (a) juízo normativo (princípio) e (b) juízo empírico (efetividade). Se a alternativa mistura justificativa normativa com avaliação empírica, busque evidência externa e a coerência lógica entre teoria ética e prática política.

Fontes sugeridas: J. S. Mill — Utilitarianism; Immanuel Kant — Metaphysics of Morals (para entender posições deontológicas); National Research Council (2012) — relatório sobre deterrence; Amnesty International — análises sobre pena de morte.

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