Na forma de discurso indireto, o verbo procurar da
frase - “Vossa Excelência talvez os procure há muito
tempo” - deverá ficar
Papéis Velhos
Vou ocupar o tempo em reler uns papéis velhos que o meu criado José achou dentro de uma velha mala e
me trouxe agora. A cara dele tinha a expressão de prazer que dá o serviço inesperado; aquele gosto de descobrir
papéis que podem ser importantes fazia-o risonho, olhos escancarados, quase comovidos.
- Vossa Excelência talvez os procure há muito tempo.
Eram cartas, apontamentos, minutas, contas, um inferno de lembranças que era melhor não se terem
achado. Que perdia eu sem elas? Já não curava delas; provavelmente não me fariam falta. Agora estou entre
estes dois extremos, ou lê-las, primeiro, ou queimá-las já. Inclino-me ao segundo. Ante mim continuava o meu
José com a mesma expressão de gosto que lhe deu o achado. Naturalmente agradecia à sua boa Fortuna que
lhe deparou; contará que é mais um elo que nos prende. Talvez a ideia que o levou à mala fosse a esperança de
algum valor extraviado, uma joia, por exemplo, ou ainda menos, uma camisa, um colete, e sendo assim o
silêncio era mui possível. Achou papéis velhos, veio fielmente entregar-mos.
Não lhe quero mal por isso. Não lhe quis no dia em que descobri que ele me levava dos coletes, ao
escová-los, dois ou três tostões por dia. Foi há dois meses, e possivelmente já o faria antes, desde que entrou
cá em casa. Não me zanguei com ele; tratei de acautelar os níqueis, isso sim; mas, para que não se creia
descoberto, lá deixei alguns, uma vez ou outra, que ele pontualmente diminui; não me vendo zangar é provável
que me chame nomes feios, descuidado, tonto, papalvo que seja... Não lhe quero mal do furto nem dos nomes.
Ele serve bem e gosta de mim; podia levar mais e chamar-me pior.
Resolvo mandar queimar os papéis, ainda que dê grande mágoa ao José que imaginou haver achado
recordações grandes e saudades. Poderia dizer-lhe que a gente traz na cabeça outros papéis velhos que não
ardem nunca nem se perdem por malas antigas; não me entenderia.
(Machado de Assis)
Papéis Velhos
Vou ocupar o tempo em reler uns papéis velhos que o meu criado José achou dentro de uma velha mala e me trouxe agora. A cara dele tinha a expressão de prazer que dá o serviço inesperado; aquele gosto de descobrir papéis que podem ser importantes fazia-o risonho, olhos escancarados, quase comovidos.
- Vossa Excelência talvez os procure há muito tempo.
Eram cartas, apontamentos, minutas, contas, um inferno de lembranças que era melhor não se terem achado. Que perdia eu sem elas? Já não curava delas; provavelmente não me fariam falta. Agora estou entre estes dois extremos, ou lê-las, primeiro, ou queimá-las já. Inclino-me ao segundo. Ante mim continuava o meu José com a mesma expressão de gosto que lhe deu o achado. Naturalmente agradecia à sua boa Fortuna que lhe deparou; contará que é mais um elo que nos prende. Talvez a ideia que o levou à mala fosse a esperança de algum valor extraviado, uma joia, por exemplo, ou ainda menos, uma camisa, um colete, e sendo assim o silêncio era mui possível. Achou papéis velhos, veio fielmente entregar-mos.
Não lhe quero mal por isso. Não lhe quis no dia em que descobri que ele me levava dos coletes, ao escová-los, dois ou três tostões por dia. Foi há dois meses, e possivelmente já o faria antes, desde que entrou cá em casa. Não me zanguei com ele; tratei de acautelar os níqueis, isso sim; mas, para que não se creia descoberto, lá deixei alguns, uma vez ou outra, que ele pontualmente diminui; não me vendo zangar é provável que me chame nomes feios, descuidado, tonto, papalvo que seja... Não lhe quero mal do furto nem dos nomes.
Ele serve bem e gosta de mim; podia levar mais e chamar-me pior.
Resolvo mandar queimar os papéis, ainda que dê grande mágoa ao José que imaginou haver achado recordações grandes e saudades. Poderia dizer-lhe que a gente traz na cabeça outros papéis velhos que não ardem nunca nem se perdem por malas antigas; não me entenderia.
(Machado de Assis)
Gabarito comentado
TEMA CENTRAL DA QUESTÃO: Transformação do Discurso Direto em Discurso Indireto
Esta questão aborda a habilidade de transformar falas do discurso direto para o indireto, um conteúdo exigido em provas de interpretação e gramática normativa. Trata-se de um conhecimento fundamental, pois muitas bancas cobram a adequação dos tempos e modos verbais nesse processo.
REGRA ESSENCIAL:
Ao passarmos uma frase do discurso direto para o indireto, os verbos costumam sofrer alteração de tempo e modo verbal, acompanhando o verbo da oração principal (geralmente no passado). Conforme registram Bechara e Cunha & Cintra:
- Presente do Subjuntivo → Pretérito Imperfeito do Subjuntivo
Exemplo: “Talvez ela venha” (direto) → “Ele disse que talvez ela viesse” (indireto)
A RESOLUÇÃO DA QUESTÃO:
No texto, “Vossa Excelência talvez os procure...” está no Presente do Subjuntivo. Ao converter para discurso indireto com verbo principal no passado (“disse que...”), devemos passar para o Pretérito Imperfeito do Subjuntivo: “procurasse”. Portanto, Letra A é a correta.
ANÁLISE DAS ALTERNATIVAS INCORRETAS:
- B) havia procurado: Pretérito mais-que-perfeito do indicativo. Não é correspondente ao modo subjuntivo e alteração exigida pela norma.
- C) procurava: Pretérito imperfeito do indicativo, que indica ação habitual ou continuada, não expressando a ideia de possibilidade nem é equivalente ao subjuntivo.
- D) procura: Presente do indicativo, não há mudança exigida e, por isso, está errado quanto à adequação do tempo e modo verbal.
- E) procurará: Futuro do presente do indicativo – nada a ver com a construção pedida, além de nem modo subjuntivo ser.
DICA DE PROVA:
Sempre relacione o tempo verbal da frase principal com o da subordinada no discurso indireto. Atenção às “pegadinhas” que confundem modo indicativo com subjuntivo!
Referência: Cunha & Cintra, "Nova Gramática do Português Contemporâneo", e Bechara, "Moderna Gramática Portuguesa".
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