De acordo com o fragmento do texto “Felicidade clandestina”, assinale a alternativa incorreta.
Texto para responder a questão
Felicidade clandestina
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do
Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia" e “saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas,
de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros
que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
(...)
Clarice Lispector
O Primeiro Beijo - São Paulo, Ed. Ática, 1996.
Felicidade clandestina
Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme; enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria.
Pouco aproveitava. E nós menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do
Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como “data natalícia" e “saudade".
Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas,
de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros
que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Era um livro grosso, meu Deus, era um livro para se ficar vivendo com ele, comendo-o, dormindo-o. E completamente acima de minhas posses. Disse-me que eu passasse pela sua casa no dia seguinte e que ela o emprestaria.
(...)
Clarice Lispector
O Primeiro Beijo - São Paulo, Ed. Ática, 1996.
Gabarito comentado
Tema central: A questão exige interpretação de texto literário, focando especialmente na análise do ponto de vista narrativo, na caracterização das personagens e nas relações emocionais e psicológicas desenvolvidas pelo texto. São habilidades essenciais para provas de nível Vestibular, frequentemente cobradas em questões sobre gêneros literários e compreensão da mensagem implícita do autor.
Justificativa da alternativa correta (D):
Letra D é incorreta porque afirma: “O motivo de tanto ódio da antagonista não tinha relação com os aspectos físicos das meninas a quem odiava.” No entanto, o texto deixa claro que o ressentimento da antagonista se relaciona sim aos atributos físicos das colegas, como destacado em: “Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres.” Pela interpretação atenta, percebe-se que a diferença física provoca inveja e hostilidade.
Estratégia de resolução: É fundamental perceber pistas textuais e as intenções implícitas do narrador. Questões de senso psicológico e análise subjetiva, típicas em Clarice Lispector, exigem leitura atenta de adjetivos e valores sugeridos nas entrelinhas.
Análise crítica das alternativas:
A) Correta: Narrativa em primeira pessoa (“eu”), típico de narrador-personagem (cf. Bechara, Moderna Gramática Portuguesa), permitindo maior introspecção subjetiva.
B) Correta: O texto traz forte carga de análise psicológica e reflexiva da narradora, marca registrada da autora (Clarice Lispector), centrada na autoanálise.
C) Correta: A antagonista não apreciava leitura e suas ações sugerem sentimento de inferioridade comparado à narradora — inferência validada pelo texto.
D) Incorreta: O ódio da antagonista está sim ligado aos aspectos físicos das colegas — negar isso é contrariar a leitura correta.
E) Correta: A narradora demonstra “ânsia de ler” e desejo intenso pelo livro, revelando grande apreço pela leitura desde criança.
Dica do professor: Em textos literários, lembre-se de buscar relações implícitas — sentimentos, motivações e críticas sociais vêm muitas vezes “nas entrelinhas”. Fique atento a detalhes descritivos e justificativas emocionais dos personagens.
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