Questão b2fa47e2-a6
Prova:FGV 2015, FGV 2015
Disciplina:História
Assunto:República Oligárquica - 1889 a 1930, História do Brasil

I.

      “Em Canudos representa de elemento passivo o jagunço que corrigindo a loucura mística de Antônio Conselheiro e dando-lhe umas tinturas das questões políticas e sociais do momento, criou, tornou plausível e deu objeto ao conteúdo do delírio, tornando-o capaz de fazer vibrar a nota étnica dos instintos guerreiros, atávicos, mal extintos ou apenas sofreados no meio social híbrido dos nossos sertões, de que o louco como os contagiados são fiéis e legítimas criações. Ali se achavam de fato, admiravelmente realizadas, todas as condições para uma constituição epidêmica de loucura."

                                                                      (Nina Rodrigues, As coletividades anormais. 2006)

                                                            II.

                                    Ergueu-se contra a República

                                    O bandido mais cruel

                                     Iludindo um grande povo

                                     Com a doutrina infiel

                                     Seu nome era Antônio

                                     Vicente Mendes Maciel

                                      [...]

                                     Os homens mais perversos

                                     De instinto desordeiro

                                     Desertor, ladrão de cavalo

                                     Criminoso e feiticeiro

                                     Vieram engrossar as tropas

                                     Do fanático Conselheiro

               (João Melchíades Ferreira da Silva apud Mark Curran, História do Brasil em cordel. 1998)

Acerca das leituras que os textos fazem de Canudos, é correto afirmar que

A
I pondera sobre a necessidade de se compreender a Guerra de Canudos no contexto das rebeliões contra o avanço do capitalismo no sertão brasileiro; II refere-se aos rebeldes do sertão baiano como principais responsá- veis pela instabilidade político-institucional dos primeiros anos da República brasileira.
B
I analisa o evento ocorrido no sertão baiano a partir de referências médicas e antropológicas, tratando-o como o embate entre a barbárie, em função da condição primitiva e enlouquecida do sertanejo, e a civilização; II identifica a prática dos combatentes do Arraial de Canudos à dos cangaceiros.
C
I reconhece legitimidade na rebelião dos sertanejos baianos, em razão do abandono institucional de que essas pessoas foram vítimas ao longo do tempo; II mostra o líder Antônio Conselheiro como um importante articulador político, vinculado aos mais importantes oligarcas baianos, os chamados coronéis.
D
I condena as principais lideranças da rebelião baiana pela postura de defesa das práticas religiosas primitivas e rústicas, que se contrapunham aos princípios cristãos; II acusa o líder Antônio Conselheiro de provocar tensões étnicas e de classe, ao propor uma sociedade igualitária social e economicamente.
E
I denuncia a ausência de uma compreensão científica, por parte do poder público, sobre as motivações dos rebeldes de Canudos; II critica os moradores do arraial de Canudos pela violência gratuita contra as forças legais, que estavam preocupadas em oferecer aos sertanejos a entrada no mundo da civilização.

Gabarito comentado

G
Gabrielle FrancoMonitor do Qconcursos

Alternativa correta: B

Tema central: leitura historiográfica e discursiva sobre a Guerra de Canudos — como diferentes discursos (científico/antropológico e popular/cordel) interpretaram os sertanejos e Antônio Conselheiro.

Resumo teórico: No início do século XX, discursos médicos/antropológicos (ex.: Nina Rodrigues, Euclides da Cunha) tendiam a patologizar o sertanejo, vendo-o como “atavismo” ou “epidemia de loucura”. Por outro lado, produções populares (cordel) frequentemente criminalizavam o movimento, associando-o a banditismo e desordem. Entender o tom e o vocabulário do texto é chave para identificar a orientação ideológica de cada fonte (Nina Rodrigues, As coletividades anormais; Euclides da Cunha, Os Sertões).

Por que a alternativa B está correta: Texto I emprega termos médicos/antropológicos (“constituição epidêmica de loucura”, “nota étnica”, “instintos guerreiros atávicos”), ou seja, analisa Canudos pela lente da medicina social/antropologia que contrapõe “barbárie” à “civilização”. Texto II (cordel) descreve Antônio Conselheiro e seguidores como “bandido”, “criminoso”, “ladrão de cavalo”, termos típicos de criminalização que aproximam a prática do Arraial às imagens de cangaceirismo/ banditismo. Logo, B sintetiza corretamente essas leituras.

Análise das alternativas incorretas:

A — Incorreta: I não aborda Canudos como reação ao avanço do capitalismo; trata-o como fenômeno “patológico”. II exagera ao afirmar que os rebeldes foram os “principais responsáveis” pela instabilidade da República — o cordel os criminaliza, mas não oferece essa análise política sistêmica.

C — Incorreta: I não reconhece legitimidade dos sertanejos; ao contrário, patologiza-os. II erra ao colocar Conselheiro como articulador ligado aos coronéis — o cordel o demoniza como “bandido” e “fanático”, não como aliado oligárquico.

D — Incorreta: I não condena por contrapor práticas religiosas aos “princípios cristãos” (é leitura antropológica/psiquiátrica); II também não acusa Conselheiro de propor igualdade social/econômica — o cordel o pinta como agitador e criminoso.

E — Incorreta: I não denuncia falta de compreensão científica do Estado; o texto adota justamente um olhar “científico” (médico/antropológico) que patologiza. II também não faz crítica ponderada aos moradores; os acusa de violência, mas em tom de criminalização, não de análise civilizatória.

Dica de prova: focalize palavras-chave (ex.: “epidêmica de loucura”, “bandido”, “ladrão de cavalo”, “fanático”) para identificar o viés do texto — médico/antropológico versus popular/criminalizador. Essa leitura do tom costuma ser a porta de entrada para eliminar alternativas.

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