Assinale a alternativa que apresenta uma correta análise
de passagem do texto.
Leia o trecho do conto “O mandarim”, de Eça de Queirós,
para responder a questão.
Então começou a minha vida de milionário. Deixei
bem depressa a casa de Madame Marques – que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz-
-doce, e ela mesma me servia, com o seu vestido de seda
dos domingos. Comprei, habitei o palacete amarelo, ao
Loreto: as magnificências da minha instalação são bem
conhecidas pelas gravuras indiscretas da Ilustração
Francesa. Tornou-se famoso na Europa o meu leito, de
um gosto exuberante e bárbaro, com a barra recoberta de
lâminas de ouro lavrado e cortinados de um raro brocado
negro onde ondeiam, bordados a pérolas, versos eróticos
de Catulo; uma lâmpada, suspensa no interior, derrama
ali a claridade láctea e amorosa de um luar de Verão.
[...]
Entretanto Lisboa rojava-se aos meus pés. O pátio
do palacete estava constantemente invadido por uma turba: olhando-a enfastiado das janelas da galeria, eu via lá
branquejar os peitilhos da Aristocracia, negrejar a sotaina
do Clero, e luzir o suor da Plebe: todos vinham suplicar,
de lábio abjeto, a honra do meu sorriso e uma participação no meu ouro. Às vezes consentia em receber algum
velho de título histórico: – ele adiantava-se pela sala,
quase roçando o tapete com os cabelos brancos, tartamudeando adulações; e imediatamente, espalmando sobre o
peito a mão de fortes veias onde corria um sangue de três
séculos, oferecia-me uma filha bem-amada para esposa
ou para concubina.
Todos os cidadãos me traziam presentes como a um
ídolo sobre o altar – uns odes votivas, outros o meu monograma bordado a cabelo, alguns chinelas ou boquilhas,
cada um a sua consciência. Se o meu olhar amortecido
fixava, por acaso, na rua, uma mulher – era logo ao outro
dia uma carta em que a criatura, esposa ou prostituta, me
ofertava a sua nudez, o seu amor, e todas as complacências da lascívia.
Os jornalistas esporeavam a imaginação para achar
adjetivos dignos da minha grandeza; fui o sublime
Sr. Teodoro, cheguei a ser o celeste Sr. Teodoro; então,
desvairada, a Gazeta das Locais chamou-me o extraceleste Sr. Teodoro! Diante de mim nenhuma cabeça ficou
jamais coberta – ou usasse a coroa ou o coco. Todos os
dias me era oferecida uma presidência de Ministério ou
uma direção de confraria. Recusei sempre, com nojo.
(Eça de Queirós. O mandarim, s/d.)
Leia o trecho do conto “O mandarim”, de Eça de Queirós, para responder a questão.
Então começou a minha vida de milionário. Deixei bem depressa a casa de Madame Marques – que, desde que me sabia rico, me tratava todos os dias a arroz- -doce, e ela mesma me servia, com o seu vestido de seda dos domingos. Comprei, habitei o palacete amarelo, ao Loreto: as magnificências da minha instalação são bem conhecidas pelas gravuras indiscretas da Ilustração Francesa. Tornou-se famoso na Europa o meu leito, de um gosto exuberante e bárbaro, com a barra recoberta de lâminas de ouro lavrado e cortinados de um raro brocado negro onde ondeiam, bordados a pérolas, versos eróticos de Catulo; uma lâmpada, suspensa no interior, derrama ali a claridade láctea e amorosa de um luar de Verão.
[...]
Entretanto Lisboa rojava-se aos meus pés. O pátio do palacete estava constantemente invadido por uma turba: olhando-a enfastiado das janelas da galeria, eu via lá branquejar os peitilhos da Aristocracia, negrejar a sotaina do Clero, e luzir o suor da Plebe: todos vinham suplicar, de lábio abjeto, a honra do meu sorriso e uma participação no meu ouro. Às vezes consentia em receber algum velho de título histórico: – ele adiantava-se pela sala, quase roçando o tapete com os cabelos brancos, tartamudeando adulações; e imediatamente, espalmando sobre o peito a mão de fortes veias onde corria um sangue de três séculos, oferecia-me uma filha bem-amada para esposa ou para concubina.
Todos os cidadãos me traziam presentes como a um ídolo sobre o altar – uns odes votivas, outros o meu monograma bordado a cabelo, alguns chinelas ou boquilhas, cada um a sua consciência. Se o meu olhar amortecido fixava, por acaso, na rua, uma mulher – era logo ao outro dia uma carta em que a criatura, esposa ou prostituta, me ofertava a sua nudez, o seu amor, e todas as complacências da lascívia.
Os jornalistas esporeavam a imaginação para achar adjetivos dignos da minha grandeza; fui o sublime Sr. Teodoro, cheguei a ser o celeste Sr. Teodoro; então, desvairada, a Gazeta das Locais chamou-me o extraceleste Sr. Teodoro! Diante de mim nenhuma cabeça ficou jamais coberta – ou usasse a coroa ou o coco. Todos os dias me era oferecida uma presidência de Ministério ou uma direção de confraria. Recusei sempre, com nojo.
(Eça de Queirós. O mandarim, s/d.)
Gabarito comentado
Comentário do Gabarito – Interpretação e Gramática
Tema central da questão: A questão exige análise de recursos linguísticos na interpretação de texto, com foco em conjunções, pronomes, coesão referencial e emprego adequado de expressões, de acordo com a norma-padrão.
Alternativa A – Correta
A locução “desde que” é uma conjunção subordinativa temporal, como orienta a gramática de Cunha & Cintra. Seu uso indica o momento em que uma ação se inicia (“desde que me sabia rico, me tratava...”). Ou seja, o tratamento mudou a partir do momento em que ficou rico. Está perfeitamente aplicado, estabelecendo relação de tempo entre as orações.
Como resolver questões assim? Sempre atente para o sentido da conjunção: “desde que” = “a partir do momento em que”. Repare que conjunções podem relacionar tempo, causa, condição, etc., e isso quase sempre é cobrado em concursos.
Justificativa das alternativas incorretas:
B) “Ela mesma” só pode ser substituído por “mesmo” se houver concordância de gênero. No exemplo, “ela” exige “mesma” (feminino). Usar “mesmo” (masculino) violaria a norma-padrão (gramática de Bechara), alterando o sentido e ferindo a concordância.
C) O pronome “-a” em “olhando-a enfastiado...” retoma “turba”, não “Lisboa”. Releia o trecho: há uma multidão no pátio (“a turba”), que Teodoro observa das janelas. Atenção ao antecedente do pronome: pegue palavras próximas, não nomes de cidades ou ideias vagas.
D) “Em que” indica circunstância (tempo/lugar). “Cuja” expressa posse e não se encaixa ali: “carta em que a criatura...”, jamais “carta cuja a criatura...”. Mudaria totalmente o sentido e a estrutura da frase. Gramáticas normativas (Bechara) são explícitas: “cujo” só liga nomes com sentido de posse.
E) “Ali” é advérbio de lugar; neste trecho, refere-se ao leito (cama) ricamente descrito, e não aos “versos eróticos de Catulo”. O advérbio sempre modifica o local já explicitado, não expressões abstratas ou elementos distantes no texto.
Estratégia: Fique atento à coesão (pronome e advérbio devem retomar o termo correto!) e ao tipo de relação das conjunções. Se surgir dúvida, cheque as funções relacional e referencial de cada elemento gramatical.
Conclusão: A alternativa A é a única plenamente de acordo com a norma-padrão e a correta leitura do texto. Treine reconhecer a função exata de conectivos e pronomes: é uma habilidade-chave para concursos!
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