A partir da leitura do texto acima, escrito pelo padre jesuíta Antônio Vieira em 1633, pode-se afirmar, corretamente, que, nas terras portuguesas da América,
Não há trabalho, nem gênero de vida no mundo mais parecido à cruz e à paixão de Cristo, que o vosso em um destes engenhos [...]. A paixão de Cristo parte foi de noite sem dormir, parte foi de dia sem descansar, e tais são as vossas noites e os vossos dias. Cristo despido, e vós despidos; Cristo sem comer, e vós famintos; Cristo em tudo maltratado, e vós maltratados em tudo. Os ferros, as prisões, os açoites, as chagas, os nomes afrontosos, de tudo isto se compõe a vossa imitação, que, se for acompanhada de paciência, também terá merecimento e martírio[...]. De todos os mistérios da vida, morte e ressurreição de Cristo, os que pertencem por condição aos pretos, e como por herança, são os mais dolorosos.
Gabarito comentado
Resposta correta: C
Tema central: a relação entre a Igreja Católica e a escravidão no Brasil colonial — postura institucional, argumentos religiosos usados para legitimar o sistema e a posição de clérigos como Antônio Vieira.
Resumo teórico: nas terras portuguesas da América a escravidão era legalmente regulada (veja as Ordenações Filipinas) e socialmente fundamentada por uma série de discursos — jurídicos, econômicos e religiosos. Muitos clérigos defendiam a cristianização dos escravizados e denunciavam abusos pontuais, mas, em regra, não questionavam a manutenção do sistema escravista; em vez disso, procuravam legitimar ou humanizar a escravidão por meios teológicos (ex.: leituras bíblicas que interpretavam a escravidão como providência ou castigo). Obras clássicas sobre o tema: os Sermões de Antônio Vieira e estudos de historiadores como Gilberto Freyre e Stuart B. Schwartz sobre o papel da Igreja e da ideologia colonial.
Justificativa da alternativa C: o trecho indicado mostra Vieira empatizando com o sofrimento dos negros e apresentando-o em termos cristãos (imitação da Paixão). Essa retórica é típica de um clero que busca moralizar e evangelizar escravizados sem propor a abolição. Historicamente, a maior parte da hierarquia e do clero colonial aceitava a escravidão e fazia uso de argumentos bíblicos e paternalistas para justificá‑la ou regulá‑la, o que torna a alternativa C a correta.
Por que as outras opções estão erradas:
A — incorreta: embora houvesse iniciativas clericais para proteger escravizados (batismos, defesas pontuais), a Igreja não incentivava revoltas; sua atuação era mais evangelizadora e normativa do que subversiva.
B — incorreta: o texto não prova que a escravidão nos engenhos era "mais branda"; descreve sofrimento e violência. A presença de ética religiosa não anulava a brutalidade do trabalho escravo.
D — incorreta: não se trata de neutralidade generalizada. Houve debates e posições divergentes, mas não uma postura neutra institucional — a Igreja frequentemente buscou conciliar evangelização e manutenção da ordem colonial.
E — incorreta: a discriminação racial era estrutural e central; a religião podia agravar ou amenizar circunstâncias, mas não se sobrepunha de modo a tornar o racismo “pouco significativo”.
Estratégia de prova: ao analisar enunciados, busque o alcance das palavras (ex.: "maioria", "apoiava", "incitava"). Compare o tom do texto (paternalista/evangelizador versus abolicionista) com o teor das alternativas; desconfie de afirmações absolutas sem respaldo histórico.
Fontes sugeridas: Sermões de Antônio Vieira; Ordenações Filipinas; Gilberto Freyre, Casa‑Grande & Senzala; estudos de Stuart B. Schwartz sobre escravidão no Brasil.
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