No processo de comunicação, é preciso expressar uma finalidade, um objetivo, que se
materializa por meio de uma função da linguagem específica. Leia as assertivas a seguir e
marque a INCORRETA em relação aos textos I, III, IV, V e VI:
No processo de comunicação, é preciso expressar uma finalidade, um objetivo, que se
materializa por meio de uma função da linguagem específica. Leia as assertivas a seguir e
marque a INCORRETA em relação aos textos I, III, IV, V e VI:
Texto I
Feliz por nada
Geralmente, quando uma pessoa exclama “Estou tão feliz!”, é porque engatou um novo
amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que
precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa
felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro
se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque alguém o elogiou. Feliz porque
existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não magoou
ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há lugar no mundo
mais acolhedor do que sua cama. Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz
por muito.
Feliz por nada, nada mesmo? Talvez passe pela total despreocupação com essa busca.
Essa tal de felicidade inferniza. “Faça isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos
chegam lá pelo mesmo caminho?
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar
as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e
não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não
estando “realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma.
Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é
ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é
que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem
cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem
sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que
podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da
patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre.
Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de
uma usina. Para que se consumir tanto?
A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo
quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania
de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.
Ser feliz por nada talvez seja isso.
MEDEIROS, Martha. Felicidade crônica. 15.ed. Porto Alegre: L&PM, 2016. p. 86-87.
Texto III
O conceito felicidade para os filósofos
A felicidade é particular para cada ser humano, é uma questão muito individual. Mesmo
que a ideia compartilhada entre a maior parte das pessoas seja que esse conceito é
construído com saúde, amor, dinheiro, entre outros itens.
A filosofia que investiga e se dedica para definir e esclarecer as ideias do ser humano é
excelente para refletir sobre a felicidade. E as primeiras reflexões de filosofia sobre ética
continham o assunto felicidade, na Grécia antiga.
A mais antiga referência de filosofia sobre esse tema é o fragmento do texto de Tales
de Mileto, este que viveu entre 7 a.C. e 6 a.C. Para Tales, ser feliz é ter corpo forte e são,
boa sorte e alma formada.
Para Sócrates, essa ideia teve rumo novo, ele postulou que não havia relação da
felicidade com somente satisfação dos desejos e necessidades do corpo, mas que o
homem não é apenas corpo, e sim em principal, alma. Felicidade seria o bem da alma,
através da conduta justa e virtuosa.
E já para Kant, a felicidade está no âmbito do prazer e desejo, e não há relação com
Ética, logo não seria tema para investigar de maneira filosófica.
Mas ao que cerca a língua inglesa, na época de Kant, a felicidade teve destaque no
pensamento político e sua busca passou a ser “direito do homem”, e isso é consignado na
Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, redigida de acordo com o
Iluminismo.
No século 20, surge uma nova reflexão sobre o tema do inglês Bertrand Russel com a
obra A Conquista da Felicidade, com método da investigação lógica; para Bertrand, por
síntese, ser feliz é eliminar o egocentrismo.
[...]
- Disponível em: www.afilosofia.com.br/post/o-conceito-felicidade-para-os-filosofos/542.
- Acesso em: 06 abr. 2018 (adaptado).
- Texto IV
- Felicidade clandestina
- Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados.
Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não
bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que
qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco
aproveitava. E nós, menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho
barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de
paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás
escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
- Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas
com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente
bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o
seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia:
continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura
chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de
Monteiro Lobato.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura
chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de
Monteiro Lobato.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu
nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado
como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para
buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e
eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas
de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias
seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei
pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte
lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a
resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal
sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se
repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido,
enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que
ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes
aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra.
Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia:
pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o
emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando
sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a
sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária
daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão
silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais
estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a
filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem
quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a
descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de
perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento
das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha:
você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto
tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é
tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão.
Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí
andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o
contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito
estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o
susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui
passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia
onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas
dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser
clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia
orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo,
em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade Clandestina: contos.
Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998 (adaptado).
Texto V
A busca pela felicidade está nos tornando infelizes e as redes sociais
não estão ajudando
A opinião é do pianista James Rhodes, "Não somos destinados a ser felizes o tempo
inteiro", diz ele no quadro opinativo Viewsnight, do programa da BBC Newsnight, afirmando
que a busca pela felicidade a todo custo está nos tornando infelizes.
Na visão do pianista, "a busca pela felicidade parece nobre, mas é fundamentalmente
falha".
Ele considera que "a felicidade não é algo a se perseguir mais do que a tristeza, a
raiva, a esperança ou o amor".
A felicidade "é, simplesmente, um estado de ser, que é fluido, passageiro e às vezes
inatingível".
Negar a existência de outros sentimentos, nem sempre considerados positivos, afirma,
não é o melhor caminho. [...]
Rhodes observa que estamos em uma era de ritmo sem precedentes no dia a dia e que
"nossa mentalidade 'sempre ligada' criou um ambiente impraticável e insustentável".
"Estamos em apuros", diz ele. "E as selfies cuidadosamente escolhidas e postadas no
Instagram; a perfeição física espalhada por todas as mídias – inalcançável e extremamente
'photoshopada' – e o anonimato das redes sociais, onde descarregamos nossa ira, não
estão ajudando".
"Sentimentos desafiadores"
Rhodes chama a atenção para os diferentes tipos de sentimento que permeiam a vida e
nem todos têm a ver com satisfação ou alegrias. Há também o outro lado.
"Todos nos sentimos alternadamente ansiosos, para baixo, tranquilos, aflitos, contentes.
Ocasionalmente, alguns de nós podemos nos perder no continuum em direção a depressão,
ao transtorno de estresse pós-traumático e a pensamentos suicidas", diz.
Mas pondera: "Só porque não estamos felizes não significa que estamos infelizes".
Para o pianista, assim é a complexidade da vida: "repleta de sentimentos e situações
tumultuados, desafiadores e difíceis".
"Negá-los, resistir a eles, se desculpar por eles ou fingir que não existem é
contraintuitivo e contraproducente".
Foi justamente o caminho contrário, o do reconhecimento de que "coisas ruins também
acontecem" e de que é preciso falar sobre elas que ele decidiu trilhar há alguns anos –
quando resolveu contar em livro problemas que enfrentou ao longo da vida.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/salasocial-42680542. Acesso em: 06 abr. 2018 (adaptado).
Texto VI
Ode ao dia feliz
Desta vez deixa-me
ser feliz,
nada passou a ninguém,
não estou em parte alguma,
acontece somente
que sou feliz
pelos quatro lados
do coração, andando
dormindo ou escrevendo.
O que vou fazer-te, sou
feliz
[...]
Pablo Neruda
Disponível em: http://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?id=1400. Acesso em: 16 abr. 2018.
Texto I
Feliz por nada
Geralmente, quando uma pessoa exclama “Estou tão feliz!”, é porque engatou um novo amor, conseguiu uma promoção, ganhou uma bolsa de estudos, perdeu os quilos que precisava ou algo do tipo. Há sempre um porquê. Eu costumo torcer para que essa felicidade dure um bom tempo, mas sei que as novidades envelhecem e que não é seguro se sentir feliz apenas por atingimento de metas. Muito melhor é ser feliz por nada.
Feliz por estar com as dívidas pagas. Feliz porque alguém o elogiou. Feliz porque existe uma perspectiva de viagem daqui a alguns meses. Feliz porque você não magoou ninguém hoje. Feliz porque daqui a pouco será hora de dormir e não há lugar no mundo mais acolhedor do que sua cama. Mesmo sendo motivos prosaicos, isso ainda é ser feliz por muito.
Feliz por nada, nada mesmo? Talvez passe pela total despreocupação com essa busca. Essa tal de felicidade inferniza. “Faça isso, faça aquilo”. A troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo caminho?
Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria, que procura relativizar
as chatices diárias e se concentrar no que importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e
não atormenta o dos outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não
estando “realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque felicidade é calma.
Consciência. É ter talento para aturar o inevitável, é tirar algum proveito do imprevisto, é
ficar debochadamente assombrado consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é
que foi acontecer comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo.
Benditos os que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem.
Se é para ser mestre em alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre. Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a energia de uma usina. Para que se consumir tanto?
A vida não é um questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer. Você é o que é, um imperfeito bem intencionado e que muda de opinião sem a menor culpa.
Ser feliz por nada talvez seja isso.
MEDEIROS, Martha. Felicidade crônica. 15.ed. Porto Alegre: L&PM, 2016. p. 86-87.
Texto III
O conceito felicidade para os filósofos
A felicidade é particular para cada ser humano, é uma questão muito individual. Mesmo que a ideia compartilhada entre a maior parte das pessoas seja que esse conceito é construído com saúde, amor, dinheiro, entre outros itens.
A filosofia que investiga e se dedica para definir e esclarecer as ideias do ser humano é excelente para refletir sobre a felicidade. E as primeiras reflexões de filosofia sobre ética continham o assunto felicidade, na Grécia antiga.
A mais antiga referência de filosofia sobre esse tema é o fragmento do texto de Tales de Mileto, este que viveu entre 7 a.C. e 6 a.C. Para Tales, ser feliz é ter corpo forte e são, boa sorte e alma formada.
Para Sócrates, essa ideia teve rumo novo, ele postulou que não havia relação da felicidade com somente satisfação dos desejos e necessidades do corpo, mas que o homem não é apenas corpo, e sim em principal, alma. Felicidade seria o bem da alma, através da conduta justa e virtuosa.
E já para Kant, a felicidade está no âmbito do prazer e desejo, e não há relação com Ética, logo não seria tema para investigar de maneira filosófica.
Mas ao que cerca a língua inglesa, na época de Kant, a felicidade teve destaque no pensamento político e sua busca passou a ser “direito do homem”, e isso é consignado na Constituição dos Estados Unidos da América, de 1787, redigida de acordo com o Iluminismo.
No século 20, surge uma nova reflexão sobre o tema do inglês Bertrand Russel com a obra A Conquista da Felicidade, com método da investigação lógica; para Bertrand, por síntese, ser feliz é eliminar o egocentrismo.
[...]
- Disponível em: www.afilosofia.com.br/post/o-conceito-felicidade-para-os-filosofos/542.
- Acesso em: 06 abr. 2018 (adaptado).
- Texto IV
- Felicidade clandestina
- Ela era gorda, baixa, sardenta e de cabelos excessivamente crespos, meio arruivados. Tinha um busto enorme, enquanto nós todas ainda éramos achatadas. Como se não bastasse, enchia os dois bolsos da blusa, por cima do busto, com balas. Mas possuía o que qualquer criança devoradora de histórias gostaria de ter: um pai dono de livraria. Pouco aproveitava. E nós, menos ainda: até para aniversário, em vez de pelo menos um livrinho barato, ela nos entregava em mãos um cartão-postal da loja do pai. Ainda por cima era de paisagem do Recife mesmo, onde morávamos, com suas pontes mais do que vistas. Atrás escrevia com letra bordadíssima palavras como "data natalícia" e "saudade".
- Mas que talento tinha para a crueldade. Ela toda era pura vingança, chupando balas com barulho. Como essa menina devia nos odiar, nós que éramos imperdoavelmente bonitinhas, esguias, altinhas, de cabelos livres. Comigo exerceu com calma ferocidade o seu sadismo. Na minha ânsia de ler, eu nem notava as humilhações a que ela me submetia: continuava a implorar-lhe emprestados os livros que ela não lia.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Até que veio para ela o magno dia de começar a exercer sobre mim uma tortura chinesa. Como casualmente, informou-me que possuía As Reinações de Narizinho, de Monteiro Lobato.
Até o dia seguinte eu me transformei na própria esperança da alegria: eu não vivia, eu nadava devagar num mar suave, as ondas me levavam e me traziam.
No dia seguinte fui à sua casa, literalmente correndo. Ela não morava num sobrado como eu, e sim numa casa. Não me mandou entrar. Olhando bem para meus olhos, disse-me que havia emprestado o livro a outra menina, e que eu voltasse no dia seguinte para buscá-lo. Boquiaberta, saí devagar, mas em breve a esperança de novo me tomava toda e eu recomeçava na rua a andar pulando, que era o meu modo estranho de andar pelas ruas de Recife. Dessa vez nem caí: guiava-me a promessa do livro, o dia seguinte viria, os dias seguintes seriam mais tarde a minha vida inteira, o amor pelo mundo me esperava, andei pulando pelas ruas como sempre e não caí nenhuma vez. Mas não ficou simplesmente nisso. O plano secreto da filha do dono de livraria era tranquilo e diabólico. No dia seguinte lá estava eu à porta de sua casa, com um sorriso e o coração batendo. Para ouvir a resposta calma: o livro ainda não estava em seu poder, que eu voltasse no dia seguinte. Mal sabia eu como mais tarde, no decorrer da vida, o drama do "dia seguinte" com ela ia se repetir com meu coração batendo.
E assim continuou. Quanto tempo? Não sei. Ela sabia que era tempo indefinido, enquanto o fel não escorresse todo de seu corpo grosso. Eu já começara a adivinhar que ela me escolhera para eu sofrer, às vezes adivinho. Mas, adivinhando mesmo, às vezes aceito: como se quem quer me fazer sofrer esteja precisando danadamente que eu sofra. Quanto tempo? Eu ia diariamente à sua casa, sem faltar um dia sequer. Às vezes ela dizia: pois o livro esteve comigo ontem de tarde, mas você só veio de manhã, de modo que o emprestei a outra menina. E eu, que não era dada a olheiras, sentia as olheiras se cavando sob os meus olhos espantados.
Até que um dia, quando eu estava à porta de sua casa, ouvindo humilde e silenciosa a sua recusa, apareceu sua mãe. Ela devia estar estranhando a aparição muda e diária daquela menina à porta de sua casa. Pediu explicações a nós duas. Houve uma confusão silenciosa, entrecortada de palavras pouco elucidativas. A senhora achava cada vez mais estranho o fato de não estar entendendo. Até que essa mãe boa entendeu. Voltou-se para a filha e com enorme surpresa exclamou: mas este livro nunca saiu daqui de casa e você nem quis ler!
E o pior para essa mulher não era a descoberta do que acontecia. Devia ser a descoberta horrorizada da filha que tinha. Ela nos espiava em silêncio: a potência de perversidade de sua filha desconhecida e a menina loura em pé à porta, exausta, ao vento das ruas de Recife. Foi então que, finalmente se refazendo, disse firme e calma para a filha: você vai emprestar o livro agora mesmo. E para mim: "E você fica com o livro por quanto tempo quiser." Entendem? Valia mais do que me dar o livro: "pelo tempo que eu quisesse" é tudo o que uma pessoa, grande ou pequena, pode ter a ousadia de querer.
Como contar o que se seguiu? Eu estava estonteada, e assim recebi o livro na mão. Acho que eu não disse nada. Peguei o livro. Não, não saí pulando como sempre. Saí andando bem devagar. Sei que segurava o livro grosso com as duas mãos, comprimindo-o contra o peito. Quanto tempo levei até chegar em casa, também pouco importa. Meu peito estava quente, meu coração pensativo.
Chegando em casa, não comecei a ler. Fingia que não o tinha, só para depois ter o susto de o ter. Horas depois abri-o, li algumas linhas maravilhosas, fechei-o de novo, fui passear pela casa, adiei ainda mais indo comer pão com manteiga, fingi que não sabia onde guardara o livro, achava-o, abria-o por alguns instantes. Criava as mais falsas dificuldades para aquela coisa clandestina que era a felicidade. A felicidade sempre iria ser clandestina para mim. Parece que eu já pressentia. Como demorei! Eu vivia no ar... Havia orgulho e pudor em mim. Eu era uma rainha delicada.
Às vezes sentava-me na rede, balançando-me com o livro aberto no colo, sem tocá-lo, em êxtase puríssimo.
Não era mais uma menina com um livro: era uma mulher com o seu amante.
LISPECTOR, Clarice. Felicidade Clandestina. In: Felicidade Clandestina: contos.
Rio de Janeiro: Ed. Rocco, 1998 (adaptado).
Texto V
A busca pela felicidade está nos tornando infelizes e as redes sociais não estão ajudando
A opinião é do pianista James Rhodes, "Não somos destinados a ser felizes o tempo inteiro", diz ele no quadro opinativo Viewsnight, do programa da BBC Newsnight, afirmando que a busca pela felicidade a todo custo está nos tornando infelizes.
Na visão do pianista, "a busca pela felicidade parece nobre, mas é fundamentalmente falha".
Ele considera que "a felicidade não é algo a se perseguir mais do que a tristeza, a raiva, a esperança ou o amor".
A felicidade "é, simplesmente, um estado de ser, que é fluido, passageiro e às vezes inatingível".
Negar a existência de outros sentimentos, nem sempre considerados positivos, afirma, não é o melhor caminho. [...]
Rhodes observa que estamos em uma era de ritmo sem precedentes no dia a dia e que "nossa mentalidade 'sempre ligada' criou um ambiente impraticável e insustentável".
"Estamos em apuros", diz ele. "E as selfies cuidadosamente escolhidas e postadas no Instagram; a perfeição física espalhada por todas as mídias – inalcançável e extremamente 'photoshopada' – e o anonimato das redes sociais, onde descarregamos nossa ira, não estão ajudando".
"Sentimentos desafiadores"
Rhodes chama a atenção para os diferentes tipos de sentimento que permeiam a vida e nem todos têm a ver com satisfação ou alegrias. Há também o outro lado.
"Todos nos sentimos alternadamente ansiosos, para baixo, tranquilos, aflitos, contentes. Ocasionalmente, alguns de nós podemos nos perder no continuum em direção a depressão, ao transtorno de estresse pós-traumático e a pensamentos suicidas", diz.
Mas pondera: "Só porque não estamos felizes não significa que estamos infelizes". Para o pianista, assim é a complexidade da vida: "repleta de sentimentos e situações tumultuados, desafiadores e difíceis".
"Negá-los, resistir a eles, se desculpar por eles ou fingir que não existem é contraintuitivo e contraproducente".
Foi justamente o caminho contrário, o do reconhecimento de que "coisas ruins também acontecem" e de que é preciso falar sobre elas que ele decidiu trilhar há alguns anos – quando resolveu contar em livro problemas que enfrentou ao longo da vida.
Disponível em: http://www.bbc.com/portuguese/salasocial-42680542. Acesso em: 06 abr. 2018 (adaptado).
Texto VI
Ode ao dia feliz
Desta vez deixa-me
ser feliz,
nada passou a ninguém,
não estou em parte alguma,
acontece somente
que sou feliz
pelos quatro lados
do coração, andando
dormindo ou escrevendo.
O que vou fazer-te, sou
feliz
[...]
Pablo Neruda
Disponível em: http://www.portaldaliteratura.com/poemas.php?id=1400. Acesso em: 16 abr. 2018.