Leia abaixo o fragmento do testamento de Lourenço de Siqueira, um senhor de escravos e de terras paulista, na América portuguesa, redigido, no seu leito de morte, por um jesuíta, em 1633.
“Declaro que eu tenho algumas peças do gentio do Brasil as quais por lei de Sua Majestade são forras e livres e eu por tais as deixo e declaro, e lhes peço perdão de alguma força ou injustiça que lhes haja feito, e de lhes não ter pago seu serviço como era obrigado e lhes peço por amor de Deus e pelo que lhes tenho queiram todos juntos ficar e servir a minha mulher, a qual lhes pagará seu serviço na maneira que se costuma na terra nem poderá transferir bens nem vender pessoa alguma destas que digo, e peço às justiças de Sua Majestade que façam para descargo de minha consciência guardar esta última vontade e disposição.”
Sobre tal documento é INCORRETO afirmar que
Gabarito comentado
Resposta correta: alternativa C
Tema central: trata-se da dinâmica da servidão indígena e do estatuto jurídico dos indígenas na América Portuguesa — conflito entre a legislação que buscava proteger a liberdade indígena e as práticas locais que os transformavam em «peças», força de trabalho ou dependentes.
Resumo teórico (sintético): embora o direito régio proclamasse limitações à escravização direta dos indígenas (modelo distinto da escravidão africana), na prática houve formas diversas de trabalho compulsório — apropriação, clientelismo, «peças do gentio», obrigações por dívidas, e manobras legais para manter pessoas em serviço. Testamentos e cartas mostram tentativas de contornar proibições, convertendo vínculos em servidões de fato (Ordenações Filipinas; ver também Fausto, História do Brasil; Vainfas, História do Brasil).
Por que a alternativa C é INCORRETA (justificativa): a alternativa C afirma que «as referências à transferência de bens e a vendas no testamento não atingem indígenas forros e livres». O documento, porém, contém justamente a proibição: “nem poderá transferir bens nem vender pessoa alguma destas…”, evidenciando que o testador reconhecia o risco de compra/venda dessas pessoas e buscava impedir tais transações — logo, as referências atingem sim os indígenas declarados forros/livres. A alternativa que nega esse alcance contradiz o texto e o contexto jurídico-prático.
Análise das demais alternativas:
A — correta: os termos «peças do gentio» (unidades de contagem de pessoas) e «forras» (pessoas consideradas livres/forras) são indícios claros da existência e da ambiguidade da escravidão indígena e do tratamento jurídico-comercial dessas pessoas.
B — correta: além da Companhia de Jesus, houve autoridades civis, fazendeiros, senhores de engenho e bandeirantes que administraram, catequizaram e exploraram indígenas; as ordens religiosas não foram as únicas agentes.
D — correta: o trabalho compulsório colonial manifestou-se em várias formas — escravidão direta, servidão por dívidas, entraves legais, trabalho em missões, tecnologias de controle social — não se restringiu a um único modelo.
E — correta: o testamento exemplifica mecanismos locais para contornar legislação protetiva (vínculos informais, testemunhos, disposições testamentárias), confirmando que a prática colonial muitas vezes burlava normas régias.
Estratégia de prova: procure no enunciado frases-chave (aqui: «nem poderá transferir… vender pessoa alguma») e relacione-as ao contexto legal/historiográfico. Cuidado com enunciados que negam efeitos explícitos do texto — muitas pegadinhas vêm de negações absolutas.
Fontes/leituras recomendadas: Ordenações Filipinas; Fausto, Boris — História do Brasil; Vainfas, Ronaldo — Uma breve história do Brasil.
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