A expressão “movimentos de cobra amaldiçoada” ao final do fragmento é uma forma de animalização que
(…) Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a
esquerda, ora para a direita, como numa sofreguidão de gozo carnal, num requebrado luxurioso que a punha ofegante;
já correndo de barriga empinada; já recuando de braços estendidos, a tremer toda, como se se fosse afundando num
prazer grosso que nem azeite, em que se não toma pé e nunca se encontra fundo. Depois, como se voltasse à vida,
soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo, subindo, sem nunca parar
com os quadris, e em seguida sapateava, miúdo e cerrado, freneticamente, erguendo e abaixando os braços, que
dobrava, ora um, ora outro, sobre a nuca, enquanto a carne lhe fervia toda, fibra por fibra, tirilando.
Em torno o entusiasmo tocava ao delírio; um grito de aplausos explodia de vez em quando, rubro e quente como deve
ser um grito saído do sangue. E as palmas insistiam, cadentes, certas, num ritmo nervoso, numa persistência de
loucura. E, arrastado por ela, pulou à arena o Firmo, ágil, de borracha, a fazer coisas fantásticas com as pernas, a
derreter‐se todo, a sumir‐se no chão, a ressurgir inteiro com um pulo, os pés no espaço, batendo os calcanhares, os
braços a querer fugirem‐lhe dos ombros, a cabeça a querer saltar‐lhe. E depois, surgiu também a Florinda, e logo o
Albino e até, quem diria! o grave e circunspecto Alexandre.
O chorado arrastava‐os a todos, despoticamente, desesperando aos que não sabiam dançar. Mas, ninguém como a
Rita; só ela, só aquele demônio, tinha o mágico segredo daqueles movimentos de cobra amaldiçoada; aqueles
requebros que não podiam ser sem o cheiro que a mulata soltava de si e sem aquela voz doce, quebrada, harmoniosa,
arrogante, meiga e suplicante.
(…)
AZEVEDO, Aluísio. O cortiço. Cotia‐SP: Ateliê, 2011.
Gabarito comentado
Gabarito: E – retoma o encanto da dança de Rita por meio de uma metáfora típica do Naturalismo.
Tema central da questão: O tema cobrado é a animalização no contexto do Naturalismo, escola literária que dominou parte significativa da produção brasileira no fim do século XIX, principalmente em obras como “O Cortiço”, de Aluísio Azevedo.
Como resolver: Ao interpretar o trecho, observe o uso da metáfora “movimentos de cobra amaldiçoada” para descrever de forma exagerada a sensualidade e os instintos presentes nos personagens. Este elemento indica a animalização, recurso usado para demonstrar como o comportamento humano, segundo o Naturalismo, está submetido a forças instintivas, biologicamente determinadas e à influência do meio social.
Na interpretação de questões sobre escolas literárias, é fundamental identificar palavras-chave ou expressões que denunciem técnica ou visão de mundo própria de determinada vertente estética, como “instinto”, “animalização”, “hereditariedade” e “meio”. Nestes casos, lembre-se da abordagem quase científica e objetiva dos naturalistas, que comparavam o comportamento humano ao de animais, para enfatizar a falta de controle racional diante de impulsos biológicos.
Justificativa da alternativa correta: A alternativa E chama atenção para a metáfora animalizante, que sintetiza a técnica típica do Naturalismo ao retomar o encanto da dança de Rita Baiana. Assim, o texto trabalha justamente com esse recurso estilístico para reforçar a animalização dos personagens, o que está alinhado à linguagem e visão naturalista.
Análise das alternativas incorretas:
A) Incorreta: Não afasta do Realismo/Naturalismo, pelo contrário, a técnica aproxima a narrativa da estética naturalista.
B) Incorreta: A metáfora não desfaz o impacto da dança, mas aprofunda-o, intensificando a sensualidade da personagem.
C) Incorreta: O foco não é o racismo, nem há referência a outros personagens na metáfora analisada.
D) Incorreta: O recurso não valoriza, mas reduz a condição humana ao nível instintivo, sem intuito de exaltação.
Estratégias para provas: Atenção a detalhes do texto e expressões simbólicas! Sempre relacione as técnicas literárias à escola predominante. Desconfie de generalizações (“todas”, “nunca”, “sempre”): a animalização não atinge todos no mesmo sentido, nem visa valorização.
Autores referência: Aluísio Azevedo (“O Cortiço”). Consulte também manuais como “Literatura Brasileira” de Massaud Moisés.
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