A tragédia de Sófocles demonstra que a sociedade grega antiga
Em 1900, Sigmund Freud escrevia:
[...] Apaixonar-se por um dos pais e odiar o outro figuram entre os componentes
essenciais do acervo de impulsos psíquicos que se formam nessa época [a infância] e
que é tão importante na determinação dos sintomas da neurose posterior. [...] Essa
descoberta é confirmada por uma lenda da Antiguidade Clássica que chegou até nós:
uma lenda cujo poder profundo e universal de comover só pode ser compreendido se
a hipótese que propus com respeito à psicologia infantil tiver validade igualmente
universal. O que tenho em mente é a lenda do Rei Édipo e a tragédia de Sófocles que
traz o seu nome. Édipo, filho de Laio, Rei de Tebas, e de Jocasta, foi enjeitado quando
criança porque um oráculo advertira Laio de que a criança ainda por nascer seria o
assassino de seu pai. A criança foi salva e cresceu como príncipe numa corte
estrangeira, até que, em dúvida quanto a suas origens, também ele interrogou um
oráculo e foi alertado para evitar sua cidade, já que estava predestinado a assassinar
seu pai e receber sua mãe em casamento. Na estrada que o levava para longe do
local que ele acreditava ser seu lar, encontrou-se com o Rei Laio e o matou numa
súbita rixa. Em seguida, dirigiu-se a Tebas e decifrou o enigma apresentado pela
Esfinge que lhe barrava o caminho. Por gratidão, os tebanos fizeram-no rei e lhe
deram a mão de Jocasta em casamento. Ele reinou por muito tempo com paz e honra,
e aquela que, sem que ele o soubesse, era sua mãe deu-lhe dois filhos e duas filhas.
Por fim, então, irrompeu uma peste e os tebanos mais uma vez consultaram o oráculo.
É nesse ponto que se inicia a tragédia de Sófocles. Os mensageiros trazem de volta a
resposta de que a peste cessará quando o assassino de Laio tiver sido expulso do
país. (CAMPOS & MIRANDA, 2005, p. 67-68).
Gabarito comentado
Gabarito: E
Tema central: a questão exige reconhecer o papel dos mitos na sociedade grega antiga — não como mera fantasia sem função, mas como instrumento cultural que organiza sentidos, normas e explicações sobre as relações humanas e sociais.
Resumo teórico: na Grécia antiga os mitos (relatos sobre deuses, heróis e fundações) cumpriam funções explicativas, pedagógicas e integradoras. Serviam para transmitir valores, legitimar instituições e oferecer modelos de comportamento. Autores clássicos e estudiosos modernos (ex.: J.-P. Vernant, M. Detienne) mostram que o mito é uma linguagem social que articula experiências coletivas e conflitos humanos.
Justificativa da alternativa correta (E): a alternativa E afirma que a sociedade grega "buscou, através dos mitos, explicar as relações humanas entre os indivíduos e grupos sociais." Isso coincide com a função essencial do mito: explicitar vínculos familiares, autoridade, culpa, justiça e papéis sociais — exatamente o que a tragédia (como a de Édipo) dramatiza. O mito não é apenas enredo, mas reflexão cultural sobre laços e tensões sociais.
Análise das alternativas incorretas:
A — "pouco contribuiu para o pensamento científico..." É uma leitura anacrônica. Embora a explicação mítica difira do método científico, a Grécia também produziu filosofia e ciência (Tales, Hipócrates, Aristóteles). Misturar mito com incapacidade científica é simplista.
B — "carecia de normas éticas e morais..." Errado: os mitos e as tragédias frequentemente legavam normas, modelos e advertências morais (ex.: hubris, justiça). A polis tinha códigos sociais e rituais reguladores.
C — "esteve preso a lendas, o que impediu o desenvolvimento do pensamento científico..." Parecida com A, também é armadilha. O uso de mitos não impediu o surgimento do pensamento racional e científico na própria Grécia.
D — "marcada por violência e disputa de poder, inviabilizando qualquer estrutura política estável." A violência existe em fontes antigas, mas a Grécia teve formas políticas estáveis (cidades-estado com instituições) e tradições jurídicas; assim, a afirmação é exagerada e incorreta.
Dica de prova (estratégia): identifique termos-chave: "mitos", "explicar as relações humanas" aponta para função simbólica e social — busque alternativas que reconheçam função cultural, não as que impõem julgamentos anacrônicos. Desconfie de alternativas absolutistas ("pouco", "inviabilizando qualquer") — costumam ser incorretas.
Fontes sugeridas: Freud (contexto citado), J.-P. Vernant, M. Detienne — estudos sobre mito e sociedade; introduções à História da Grécia Antiga (ex.: M. Cartledge).
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