AO mar soprava sinos
os sinos secavam as flores
as flores eram cabeças de santos.
Minha memória cheia de palavras
meus pensamentos procurando fantasmas
meus pesadelos atrasados de muitas noites.
(João Cabral de Melo Neto, “Noturno", em Pedra do sono.)
BMeu pai montava a cavalo, ia para o campo.
Minha mãe ficava sentada cosendo.
Meu irmão pequeno dormia.
Eu sozinho menino entre mangueiras
lia a história de Robinson Crusoé.
Comprida história que não acaba mais.
(Carlos Drummond de Andrade, “Infância", em Alguma poesia.)
CQuando o enterro passou
Os homens que se achavam no café
Tiraram o chapéu maquinalmente
Saudavam o morto distraídos
Estavam todos voltados para a vida
Absortos na vida
Confiantes na vida.
(Manuel Bandeira, “Momento num café", em Estrela da manhã.)
DTrabalhas sem alegria para um mundo caduco,
onde as formas e as ações não encerram nenhum
[exemplo.
Praticas laboriosamente os gestos universais,
sentes calor e frio, falta de dinheiro, fome e desejo
[sexual.
(Carlos Drummond de Andrade, “Elegia 1938",
em Sentimento do mundo.)
E– Bem me diziam que a terra
se faz mais branda e macia
quanto mais do litoral
a viagem se aproxima.
Agora afinal cheguei
nessa terra que diziam.
Como ela é uma terra doce
para os pés e para a vista.
(João Cabral de Melo Neto, “O retirante chega à Zona da Mata",
em Morte e vida severina.)