- Aqui tens tu, Zé Fernandes - começou Jacinto, encostado à janela do mirante -, a teoria que me governa, bem comprovada. Com estes olhos que recebemos da Madre natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida, naquela loja, uma vidraça alumiada. Mais nada! Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples dum binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geleia e caixas de ameixa seca. Concluo portanto que é uma mercearia. Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva. Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os do meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia dum astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios. É outra noção, e tremenda! Tens aqui pois o olho primitivo, o da Natureza, elevado pela Civilização à sua máxima potência de visão. E desde já, pelo lado do olho portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não suspeita e de que está privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreenderás o meu princípio.
(Queirós, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo: Ateliê, 2007, p. 63-64)
No fragmento em questão, ao apresentar para o amigo Zé Fernandes sua teoria a respeito da felicidade, Jacinto revela:
- Aqui tens tu, Zé Fernandes - começou Jacinto, encostado à janela do mirante -, a teoria que me governa, bem comprovada. Com estes olhos que recebemos da Madre natureza, lestos e sãos, nós podemos apenas distinguir além, através da Avenida, naquela loja, uma vidraça alumiada. Mais nada! Se eu porém aos meus olhos juntar os dois vidros simples dum binóculo de corridas, percebo, por trás da vidraça, presuntos, queijos, boiões de geleia e caixas de ameixa seca. Concluo portanto que é uma mercearia. Obtive uma noção: tenho sobre ti, que com os olhos desarmados vês só o luzir da vidraça, uma vantagem positiva. Se agora, em vez destes vidros simples, eu usasse os do meu telescópio, de composição mais científica, poderia avistar além, no planeta Marte, os mares, as neves, os canais, o recorte dos golfos, toda a geografia dum astro que circula a milhares de léguas dos Campos Elísios. É outra noção, e tremenda! Tens aqui pois o olho primitivo, o da Natureza, elevado pela Civilização à sua máxima potência de visão. E desde já, pelo lado do olho portanto, eu, civilizado, sou mais feliz que o incivilizado, porque descubro realidades do Universo que ele não suspeita e de que está privado. Aplica esta prova a todos os órgãos e compreenderás o meu princípio.
(Queirós, Eça de. A cidade e as serras. São Paulo: Ateliê, 2007, p. 63-64)
No fragmento em questão, ao apresentar para o amigo Zé Fernandes sua teoria a respeito da felicidade, Jacinto revela:
Gabarito comentado
Tema central: A questão aborda o conflito entre civilização e natureza no romance A Cidade e as Serras, de Eça de Queirós, evidenciando o olhar do protagonista Jacinto sobre o avanço científico e seu papel na felicidade humana.
Explicação didática: No trecho, Jacinto defende que a civilização, por meio da ciência e da tecnologia, eleva o homem, permitindo-lhe ultrapassar limites impostos pela natureza. Ele ilustra que instrumentos como binóculos e telescópios ampliam sua percepção, tornando-o superior ao indivíduo “natural”. Esta visão reflete os princípios do Realismo, movimento que valoriza explicações racionais, objetivas e desprovidas de idealizações ou misticismos.
Justificativa da alternativa correta – D: A alternativa D está correta porque resume precisamente a argumentação de Jacinto: a ciência concede ao ser humano uma vantagem que a natureza, isoladamente, não oferece; assim, a civilização seria superior. O procedimento de interpretação aqui é analisar como o discurso do personagem exalta o progresso científico, relacionando-o com a ideia de felicidade e realização humana. O trecho não questiona os limites da ciência, mas destaca sua capacidade de ampliar possibilidades.
Análise das alternativas incorretas:
A: Sugere aproximação à natureza, mas Jacinto valoriza a distância em relação ao “primitivo”, defendendo a vida civilizada e tecnológica.
B: Fala em visão mística e transcendental, mas Jacinto é racional, apoia-se na observação empírica e em instrumentos científicos, típico do Realismo.
C: Apresenta submissão pessimista à ciência, porém o texto exalta a confiança otimista na capacidade da civilização em superar limites naturais e não vê a ciência de modo negativo.
Dica de interpretação: Fique atento aos termos que indicam valorização ou crítica à ciência e tecnologia; palavras como “superioridade”, “vantagem”, “felicidade”, no contexto deste fragmento, apontam para a visão positiva da civilização.
Referência para estudo: Autores como Massaud Moisés e Afrânio Coutinho destacam que, no Realismo, a objetividade e a valorização do método científico permeiam a análise social e individual, fundamentais para interpretar questões de escolas literárias.
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