“Era a mesma voz que quatro meses antes se dirigira aos japoneses, pela primeira vez em 5 mil anos de história do país,
para anunciar que havia chegado o momento de ‘suportar o
insuportável’” (1o
parágrafo)
O verbo destacado foi utilizado no pretérito mais-que-perfeito
a fim de indicar
“Era a mesma voz que quatro meses antes se dirigira aos japoneses, pela primeira vez em 5 mil anos de história do país, para anunciar que havia chegado o momento de ‘suportar o insuportável’” (1o parágrafo)
O verbo destacado foi utilizado no pretérito mais-que-perfeito
a fim de indicar
Leia o trecho inicial do livro Corações sujos, de Fernando
Morais, para responder à questão.
A voz rouca e arrastada parecia vir de outro mundo. Eram
pontualmente nove horas da manhã do dia 1º de janeiro de
1946 quando ela soou nos alto-falantes dos rádios de todo o
Japão. A pronúncia das primeiras sílabas foi suficiente para
que 100 milhões de pessoas identificassem quem falava. Era
a mesma voz que quatro meses antes se dirigira aos japoneses, pela primeira vez em 5 mil anos de história do país, para
anunciar que havia chegado o momento de “suportar o insuportável”: a rendição do Japão às forças aliadas na Segunda
Guerra Mundial. Mas agora o dono da voz, Sua Majestade o
imperador Hiroíto, tinha revelações ainda mais espantosas
a fazer a seus súditos. Embora ele falasse em keigo − uma
forma arcaica do idioma, reservada aos Filhos dos Céus e repleta de expressões chinesas que nem todos compreendiam
bem −, todos entenderam o que Hiroíto dizia: ao contrário
do que os japoneses acreditavam desde tempos imemoriais,
ele não era uma divindade. O imperador leu uma declaração
de poucas linhas, escrita de próprio punho. Aquela era mais
uma imposição dos vencedores da guerra. Entre as exigências feitas pelos Aliados para que ele permanecesse no trono, estava a “Declaração da Condição Humana”. Ou seja, a
renúncia pública à divindade, que naquele momento Hiroíto
cumpria resignado:
“Os laços que nos unem a vós, nossos súditos, não são o
resultado da mitologia ou de lendas. Não se baseiam jamais
no falso conceito de que o imperador é deus ou qualquer outra divindade viva.”
Petrificados, milhões de japoneses tomaram consciência
da verdade que ninguém jamais imaginara ouvir: diferentemente do que lhes fora ensinado nas escolas e nos templos
xintoístas, Hiroíto reconhecia que era filho de dois seres humanos, o imperador Taisho e a imperatriz Sadako, e não um
descendente de Amaterasu Omikami, a deusa do Sol. Foi
como se tivessem jogado sal na ferida que a rendição, ocorrida em agosto do ano anterior, havia aberto na alma dos
japoneses. O temido Exército Imperial do Japão, que em inacreditáveis 2600 anos de guerras jamais sofrera uma única
derrota, tinha sido aniquilado pelos Aliados. O novo xogum,
o chefe supremo de todos os japoneses, agora era um gaijin, um estrangeiro, o general americano Douglas MacArthur,
a quem eram obrigados a se referir, respeitosamente, como
Maca-san, o “senhor Mac”. Como se não bastasse tamanho
padecimento, o Japão descobria que o imperador Hiroíto era
apenas um mortal, como qualquer um dos demais 100 milhões de cidadãos japoneses.
(Corações sujos, 2000.)
Leia o trecho inicial do livro Corações sujos, de Fernando Morais, para responder à questão.
A voz rouca e arrastada parecia vir de outro mundo. Eram pontualmente nove horas da manhã do dia 1º de janeiro de 1946 quando ela soou nos alto-falantes dos rádios de todo o Japão. A pronúncia das primeiras sílabas foi suficiente para que 100 milhões de pessoas identificassem quem falava. Era a mesma voz que quatro meses antes se dirigira aos japoneses, pela primeira vez em 5 mil anos de história do país, para anunciar que havia chegado o momento de “suportar o insuportável”: a rendição do Japão às forças aliadas na Segunda Guerra Mundial. Mas agora o dono da voz, Sua Majestade o imperador Hiroíto, tinha revelações ainda mais espantosas a fazer a seus súditos. Embora ele falasse em keigo − uma forma arcaica do idioma, reservada aos Filhos dos Céus e repleta de expressões chinesas que nem todos compreendiam bem −, todos entenderam o que Hiroíto dizia: ao contrário do que os japoneses acreditavam desde tempos imemoriais, ele não era uma divindade. O imperador leu uma declaração de poucas linhas, escrita de próprio punho. Aquela era mais uma imposição dos vencedores da guerra. Entre as exigências feitas pelos Aliados para que ele permanecesse no trono, estava a “Declaração da Condição Humana”. Ou seja, a renúncia pública à divindade, que naquele momento Hiroíto cumpria resignado:
“Os laços que nos unem a vós, nossos súditos, não são o resultado da mitologia ou de lendas. Não se baseiam jamais no falso conceito de que o imperador é deus ou qualquer outra divindade viva.”
Petrificados, milhões de japoneses tomaram consciência da verdade que ninguém jamais imaginara ouvir: diferentemente do que lhes fora ensinado nas escolas e nos templos xintoístas, Hiroíto reconhecia que era filho de dois seres humanos, o imperador Taisho e a imperatriz Sadako, e não um descendente de Amaterasu Omikami, a deusa do Sol. Foi como se tivessem jogado sal na ferida que a rendição, ocorrida em agosto do ano anterior, havia aberto na alma dos japoneses. O temido Exército Imperial do Japão, que em inacreditáveis 2600 anos de guerras jamais sofrera uma única derrota, tinha sido aniquilado pelos Aliados. O novo xogum, o chefe supremo de todos os japoneses, agora era um gaijin, um estrangeiro, o general americano Douglas MacArthur, a quem eram obrigados a se referir, respeitosamente, como Maca-san, o “senhor Mac”. Como se não bastasse tamanho padecimento, o Japão descobria que o imperador Hiroíto era apenas um mortal, como qualquer um dos demais 100 milhões de cidadãos japoneses.
(Corações sujos, 2000.)