No Texto 8, a expressão “o enfermo” faz referência
(assinale a resposta correta):
TEXTO 8
IX
Horas depois, teve Rubião um pensamento
horrível. Podiam crer que ele próprio incitara o amigo
à viagem, para o fim de o matar mais depressa, e
entrar na posse do legado, se é que realmente estava
incluso no testamento. Sentiu remorsos. Por que não
empregou todas as forças, para contê-lo? Viu o cadáver
do Quincas Borba, pálido, hediondo, fitando
nele um olhar vingativo; resolveu, se acaso o fatal
desfecho se desse em viagem, abrir mão do legado.
Pela sua parte o cão vivia farejando, ganindo,
querendo fugir; não podia dormir quieto, levantava-se muitas vezes, à noite, percorria a casa, e tornava
ao seu canto. De manhã, Rubião chamava-o à cama,
e o cão acudia alegre; imaginava que era o próprio
dono; via depois que não era, mas aceitava as carícias, e fazia-lhe outras, como se Rubião tivesse de
levar as suas ao amigo, ou trazê-lo para ali. Demais,
havia-se-lhe afeiçoado também, e para ele era a ponte
que o ligava à existência anterior. Não comeu durante
os primeiros dias. Suportando menos a sede, Rubião
pôde alcançar que bebesse leite; foi a única alimentação
por algum tempo. Mais tarde, passava as horas,
calado, triste, enrolado em si mesmo, ou então com o
corpo estendido e a cabeça entre as mãos.
Quando o médico voltou, ficou espantado da
temeridade do doente; deviam tê-lo impedido de sair;
a morte era certa.
— Certa?
— Mais tarde ou mais cedo. Levou o tal cachorro?
— Não, senhor, está comigo; pediu que cuidasse
dele, e chorou, olhe que chorou que foi um
nunca acabar. Verdade é, disse ainda Rubião para defender
o enfermo, verdade é que o cachorro merece a
estima do dono; parece gente.
O médico tirou o largo chapéu de palha para
concertar a fita; depois sorriu. Gente? Com que então
parecia gente? Rubião insistia, depois explicava;
não era gente como a outra gente, mas tinha coisas de
sentimento, e até de juízo. Olhe, ia contar-lhe uma...
— Não, homem, não, logo, logo, vou a um
doente de erisipela... Se vierem cartas dele, e não forem
reservadas, desejo vê-las, ouviu? E lembranças
ao cachorro, concluiu saindo.
Algumas pessoas começaram a mofar do
Rubião e da singular incumbência de guardar um cão
em vez de ser o cão que o guardasse a ele. Vinha a
risota, choviam as alcunhas. Em que havia de dar o
professor! sentinela de cachorro! Rubião tinha medo
da opinião pública. Com efeito, parecia-lhe ridículo;
fugia aos olhos estranhos, olhava com fastio para o
animal, dava-se ao diabo, arrenegava da vida. Não tivesse a esperança de um legado, pequeno que fosse.
Era impossível que lhe não deixasse uma lembrança.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo:
Ática, 2011. p. 30-31.)
TEXTO 8
IX
Horas depois, teve Rubião um pensamento horrível. Podiam crer que ele próprio incitara o amigo à viagem, para o fim de o matar mais depressa, e entrar na posse do legado, se é que realmente estava incluso no testamento. Sentiu remorsos. Por que não empregou todas as forças, para contê-lo? Viu o cadáver do Quincas Borba, pálido, hediondo, fitando nele um olhar vingativo; resolveu, se acaso o fatal desfecho se desse em viagem, abrir mão do legado.
Pela sua parte o cão vivia farejando, ganindo, querendo fugir; não podia dormir quieto, levantava-se muitas vezes, à noite, percorria a casa, e tornava ao seu canto. De manhã, Rubião chamava-o à cama, e o cão acudia alegre; imaginava que era o próprio dono; via depois que não era, mas aceitava as carícias, e fazia-lhe outras, como se Rubião tivesse de levar as suas ao amigo, ou trazê-lo para ali. Demais, havia-se-lhe afeiçoado também, e para ele era a ponte que o ligava à existência anterior. Não comeu durante os primeiros dias. Suportando menos a sede, Rubião pôde alcançar que bebesse leite; foi a única alimentação por algum tempo. Mais tarde, passava as horas, calado, triste, enrolado em si mesmo, ou então com o corpo estendido e a cabeça entre as mãos.
Quando o médico voltou, ficou espantado da temeridade do doente; deviam tê-lo impedido de sair; a morte era certa.
— Certa?
— Mais tarde ou mais cedo. Levou o tal cachorro?
— Não, senhor, está comigo; pediu que cuidasse dele, e chorou, olhe que chorou que foi um nunca acabar. Verdade é, disse ainda Rubião para defender o enfermo, verdade é que o cachorro merece a estima do dono; parece gente.
O médico tirou o largo chapéu de palha para concertar a fita; depois sorriu. Gente? Com que então parecia gente? Rubião insistia, depois explicava; não era gente como a outra gente, mas tinha coisas de sentimento, e até de juízo. Olhe, ia contar-lhe uma...
— Não, homem, não, logo, logo, vou a um doente de erisipela... Se vierem cartas dele, e não forem reservadas, desejo vê-las, ouviu? E lembranças ao cachorro, concluiu saindo.
Algumas pessoas começaram a mofar do Rubião e da singular incumbência de guardar um cão em vez de ser o cão que o guardasse a ele. Vinha a risota, choviam as alcunhas. Em que havia de dar o professor! sentinela de cachorro! Rubião tinha medo da opinião pública. Com efeito, parecia-lhe ridículo; fugia aos olhos estranhos, olhava com fastio para o animal, dava-se ao diabo, arrenegava da vida. Não tivesse a esperança de um legado, pequeno que fosse. Era impossível que lhe não deixasse uma lembrança.
(ASSIS, Machado de. Quincas Borba. São Paulo: Ática, 2011. p. 30-31.)